25 de julho e a luta por direitos: dados apontam que a desigualdade é maior para mulheres negras

Em toda a América Latina e Caribe, no dia 25 de julho é comemorado o Dia Internacional da Mulher Negra. No Brasil, essa data faz referência a Tereza de Benguela, mulher quilombola, rainha e chefe de estado, que viveu no século XVIII no Vale do Guaporé. Ela liderou o Quilombo de Quariterê, no estado do Mato Grosso, que resistiu da década de 1730 até o final do século. O dia é de Tereza, mas o mês é destinado a visibilizar pautas políticas, demandas sociais, festejos e comemorações de toda a diversidade de mulheres negras brasileiras. De ponta a ponta do país, organizações de mulheres negras e mulheres negras auto organizadas se reúnem e propõem uma agenda de atividades instigantes e provocadoras.

Esse é o mês de lembrar à população brasileira, das mulheres negras que foram fundamentais na construção do país e que ainda hoje são invisibilizadas pelo machismo e pelo racismo. É o mês de participar e prestigiar o trabalho de mulheres que, em outras épocas do ano, se somam às mais diversas atividades e lutas. É um mês de comemoração, mas, sobretudo, de rememoração.

É um mês para lembrar que os impactos das reformas promovidas pelo governo interino nos últimos três anos já vêm provocando mudanças significativas na vida de mulheres negras. É necessário evidenciar que essas são as mais afetadas pelas políticas de austeridade econômica, uma vez que os cortes em políticas sociais impactam, sobretudo, a população mais vulnerabilizada histórica e socialmente. Um estudo de 2017 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Eclac) aponta que 20% das mulheres negras brasileiras estão entre a parcela de 10% da população mais pobre.

Segundo dados apresentados pela pesquisa “Estatísticas de gênero – indicadores sociais das mulheres no Brasil“, divulgada em março deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres estudam por mais anos do que os homens. Ainda assim, entre pessoas de 25 a 44 anos de idade, o percentual de mulheres brancas com ensino superior completo (23,5%) é 2,3 vezes maior do que o de mulheres pretas ou pardas (10,4%), reflexos de problemas sociais que em pleno século XXI não podem mais ser ignorados. Considerando-se a cor ou raça, a desigualdade no atraso escolar se apresenta de forma considerável entre as mulheres: 30,7% das pretas ou pardas de 15 a 17 anos de idade apresentaram atraso escolar no ensino médio, enquanto que apenas 19,9% das mulheres brancas dessa mesma faixa etária estavam em situação semelhante.

As mulheres negras (caracterizadas pela soma de dados de pretas e pardas), são ainda as que mais se dedicam aos cuidados de pessoas e afazeres domésticos, com 18,6 horas semanais. Mulheres estas que em sua grande maioria tentam conciliar estudos, carreira profissional e questões pessoais. Entre os homens, o indicador pouco varia quando se considera a cor, raça ou região.

Reflexões

Podemos fazer muitas análises a partir dos dados apresentados, mas todas nos remetem à necessidade de falar sobre eles. Dar voz e vazão às pautas das mulheres negras tem sido uma tentativa comum entre os mais diversos grupos políticos Brasil a fora. Sem dúvida, o assassinato e o silenciamento sobre a morte da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco neste ano de 2018 provocou também a indignação de mulheres por todo o Brasil, provocando ações de mudança e questionamentos nos espaços em que participam.

As violências contra a população quilombola, por exemplo, se dão de inúmeras formas, dentre elas o racismo institucionalizado, incidente diretamente do poder público. Desde a inconclusa abolição da escravidão de populações africanas em terras brasileiras em 1888, percebe-se que ações do poder público dificultam e/ou impossibilitam o acesso aos meios legais e cerceiam direitos desta parcela da população, visando aos poucos, a extinção de determinados grupos. Exemplo disso pode ser observado no que diz respeito à regularização dos territórios quilombolas, em que o orçamento para titulação dessas terras caiu 97% em cinco anos.

Por essas e outras, é importante que se somem às lutas das mulheres negras, todos os movimentos sociais e segmentos que buscam reduzir os índices de desigualdades sociais no Brasil, visto que a população negra já soma mais da metade da população brasileira.

Exemplo disso são os dados desagregados por cor ou raça nos indicadores sobre atendimento em consulta pré-natal: enquanto 98,6% das mulheres brancas foram atendidas em no mínimo uma consulta com profissional de saúde especializado na última gravidez, entre as pretas ou pardas esse percentual foi menor: 96,6%. Quando o parâmetro é ter frequentado no mínimo quatro consultas, o percentual foi de 95,4% para as mulheres brancas e 92,8% para as mulheres pretas ou pardas. Essas desigualdades se acentuam também regionalmente: na região Norte, por exemplo, o percentual de mulheres brancas que foram atendidas em no mínimo quatro consultas (98,5%) superou o de mulheres pretas ou pardas (87,9%) em mais de dez pontos percentuais, afirma o IBGE.

No que se refere a violência, o cenário é ainda pior. Segundo o Atlas da violência IPEA – 2018, a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras. Em relação aos dez anos da série de publicações do IPEA, a taxa de homicídios para cada 100 mil mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto que entre as não negras houve queda de 8%. É especificamente o homicídio de mulheres negras que coloca os estados de Goiás e Pará no topo do ranking das maiores taxas. Basta observar que estes não estão entre os estados com as maiores taxas de homicídios de mulheres brancas. O estado de Goiás, além de ser aquele com a pior taxa de homicídios de mulheres negras (8,5%), tem uma desigualdade acentuada: a taxa entre as mulheres não negras é menos da metade (4,1%). O Pará, com a segunda mais alta taxa de homicídios de mulheres negras (8,3%), tem uma taxa para mulheres não negras também alta (6,6%).

Racismo institucional

Determinadas ações do poder público revelam que o racismo institucionalizado tem contribuído para a não superação dessa desigualdade. Exemplo disso pode ser notado nas violações contra a população quilombola. Desde a inconclusa abolição da escravidão de populações africanas em terras brasileiras em 1888, percebe-se que ações do poder público dificultam e/ou impossibilitam o acesso aos meios legais e cerceiam direitos desta parcela da população, visando aos poucos, a extinção desses grupos. O resultado disso pode ser observado na política de regularização dos territórios quilombolas, em que o orçamento para titulação dessas terras caiu 97% em cinco anos.

Além disso, as (frágeis) políticas voltadas ao combate ao racismo, o enfrentamento das desigualdades sociais e da violência sofreram drásticas reduções pela política de ajuste fiscal. De acordo com dados do Siga Brasil, a variação orçamentária pra programas de promoção da igualdade racial e superação do racismo caiu 62% entre 2014 e 2017. Nenhuma nova Casa das Mulheres Brasileiras – espaço especializado para encaminhamento de vítimas de violência – foi criada em 2017. Isso mantém a fragilidade no atendimento às mulheres vítimas de violência – ou seja, em especial às mulheres negras.

(Fonte: Terra de Direitos)