FAMA 2018: atividades variadas marcam o primeiro dia da Tenda Inter-Religiosa

Começaram nesta segunda-feira, 19, as atividades temáticas da Tenda Inter-Religiosa do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) – para ver a cobertura completa do FAMA, acesse fama2018.org. Entre os participantes, um consenso retumbante: água é direito, não mercadoria! Ao longo deste primeiro dia, cerca de 100 pessoas passaram pela Tenda.

 Seminário

A primeira atividade do dia foi o seminário “Água como elemento sagrado: a crise hídrica e a vocação profética das tradições de fé”. Entre os debatedores estavam Riccardo Petrella, economista e fundador do Comitê Internacional pelo Contrato Mundial da Água; Dinesh Suna, coordenador da Rede Ecumênica da Água do Conselho Mundial de Igrejas (CMI); Vicenta Mamani, teóloga aymara; Marcelo Barros, biblista, escritor e teólogo que, na oportunidade, lançou o livro “Água nossa de cada dia”; Francisco Ngunzetala, representante do candomblé e Léo Heller, relator especial das Nações Unidas para o direito humano à água e ao saneamento.

Petrella falou sobre a importância de conscientizar as pessoas de que a água não é apenas um recurso, ou um produto, mas sim um direito de cada cidadão e cidadã e que, como tal, precisa ser garantido a todos. “Na sociedade de consumo, nós, seres humanos, somos considerados também como apenas um recurso. E o ruim disso é que quando deixamos de ser um recurso útil acabamos sendo descartados. É preciso mudar esse paradigma”, defendeu. Ele ainda fez uma provocação interessante quanto à questão religiosa: “Nossa fé, se for apenas proclamada, não é útil o quanto poderia ser. É preciso mais! É preciso que ela ajude a desconstruir esses tipos de paradigmas. É preciso sacralizar a água, sim, mas é preciso também dessacralizar o capital”.O representante do CMI, Dinesh Suna, chamou atenção para as inúmeras tentativas de privatização, não apenas na América Latina, mas em todo o mundo, da água e de outros bens naturais, incluindo aí as florestas, a terra e os mares, etc. “É importante que o movimento ecumênico esteja engajado em causas como essa, que inclusive coadunam com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”.

Com uma das falas mais emocionantes do dia, Vicenta Mamani apresentou a cosmovisão dos povos andinos em relação à água. “Consideramos a água como algo sagrado, ela tem vida. Para o nosso povo aimara, água jamais se vende, simplesmente se oferece ao outro na gratuidade, afinal, se a recebemos de graça de Deus, porque vamos comercializá-la?”, questionou. Ela também falou um pouco sobre como os processos de degradação do meio ambiente tem prejudicado a oferta de água nos Andes. “Antes, havia muitas águas nos cursos dos rios e muitos peixes. Hoje a realidade já começa a mudar”. Como metodista, Vicenta também retomou a questão de as igrejas se engajarem mais no debate. “Hoje as pessoas abrem a torneira e não têm consciência de onde é que vem a água. É um processo quase automático. Precisamos ter novamente essa consciência e, também, a noção de que não compartilhar e quer privatizá-la é um grande pecado diante de Deus”, concluiu.

Marcelo Barros fez uma analogia etimológica da palavra resistência. “A palavra de ordem nesse Fórum tem sido resistência que, etimologicamente pode ser re-existência, voltar a existir, como se tivéssemos saído da vida e, agora, queremos voltar. Isso no cristianismo se chama conversão. Nesse sentido, temos muito a aprender com as religiões tradicionais indígenas e africanas. Elas estão, há 500 anos, no Brasil, resistindo a todo um processo de opressão e dominação. Elas não têm sido outra coisa que não resistência”. Na questão da água, para o biblista as religiões tradicionais podem ensinar muito, mas é preciso abertura. “Como cristão eu preciso estar atento ao que o outro me diz. Precisamos, portanto, estar abertos ao que essas tradições de fé têm a nos ensinar”, argumentou.

Ngunzetala foi na mesma linha. Ele falou sobre os mitos de criação dentro do candomblé desde a perspectiva dos povos bantos, mitos que estão sempre conectados à questão da água.

O último a falar foi Léo Heller, das Nações Unidas. “O movimento ecumênico tem um papel muito importante na conscientização, inclusive de governos, sobre essa questão. Hoje, infelizmente, o quadro internacional mostra muitas violações desse direito humano à água. Populações inteiras não conseguem acesso e, muitas vezes, quando conseguem, é um acesso precário”, salientou.

Roda de Diálogo

Na parte da tarde os participantes da Tenda participaram de uma Roda de Diálogo Ecumênico. Estavam entre os facilitadores dessa conversa Dinesh Suna, além de Fernanda Cruz, do ASA Brasil (www.asabrasil.org.br), Izett Sama, do Centro Martin Luther King, em Cuba, e Carlos Rauda, representante da ACT Alliance (actalliance.org).

Entre os temas levantados na roda, destaque para a democratização do acesso à água; mudanças climáticas e água como direito, não mercadoria. Após breves exposições, a palavra foi franqueada aos demais participantes que puderam contribuir com sugestões e, também, acrescentar informações relevantes sobre os assuntos até então abordados.

Fonte: Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil