Roda de diálogo coloca em perspectiva importância das Missões Ecumênicas para as resistências nos territórios

Uma mística conduzida pelos indígenas Guarani Kaiowá deu início à roda de diálogo “A importância das missões ecumênicas para o fortalecimento das resistências e do enfrentamento das violações e criminalizações nos territórios”, realizada na manhã do dia 14 de março, no campus Ondina, da UFBA, dentro da programação do Fórum Social Mundial. A atividade foi organizada conjuntamente pelo Fórum Ecumênico Brasil (Fe Brasil), CESE, PAD – Processo de Articulação e Diálogo Internacional e Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)

O objetivo da atividade foi refletir sobre o papel cumprido pelas missões ecumênicas no contexto de violações, criminalização e violência contra os sujeitos de direitos no âmbito das suas lutas e dos seus territórios. Em parceria com organizações parceiras, o Fórum Ecumênico Brasil (FEACT) já realizou quatro missões ecumênicas desde 2015: em solidariedade ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e aos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul (2015); em apoio a esses mesmos povos originários em 2016; Missão Ecumênica Pau d´Arco, no Pará e Missão Ecumênica em Solidariedade aos Povos Indígenas Kaingang e Guarani Mbya do Rio Grande do Sul, ambas em 2017.

Lídia Farias de Oliveira, do Conselho Indigenista Missionária Regional Mato Grosso do Sul, relembra do processo de criminalização que o CIMI sofreu (em 2015, quando foi aberta uma CPI contra a organização) e da atuação da atual presidência contra os povos originários. “Temer oficializou o Parecer 001 2017″ [o qual defende que os órgãos da administração pública devem aplicar a tese do marco temporal e as condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por ocasião do julgamento do marco da terra indígena Raposa Serra do Sol. O intuito final é paralisar processos de demarcação de terras indígenas no Brasil, bem como anular demarcações já realizadas. “O que vai acontecer? Morte!”, sentencia a missionária. “Será usado o Marco Temporal contra sete mil indígenas para efetivar o despejo contra essas comunidades”, anuncia.

“A terra é nossa pele, terra é vida para nós”, define a kaiowá Flávia Arino Nunes, da organização Aty Guassu (MS). “A demarcação é nossa sim, o que estamos fazendo hoje é auto-demarcação. Porque os corpos dos nossos ancestrais estão enterrados lá’.

A advogada Andreia Silvério, da Comissão Pastoral da Terra de Marabá (Pará), relata sobre a realidade de conflitos por terra no Estado. Em 24 de maio de 2017, dez trabalhadores e trabalhadoras rurais (uma mulher e nove homens) foram brutalmente assassinados no município de Pau d´Arco (Sudeste paraense), na fazenda Santa Lúcia. A chacina de Pau d´Arco é considerada o pior massacre por conflito agrário desde a chacina de Eldorado dos Carajás em 1996. A problemática de despejos no Sul e Sudeste do Pará também foi abordada. Só no final de 2017, cerca de 600 famílias foram despejadas dos Acampamentos Hugo Chávez e do Helenira Rezende.

Além dos assassinatos e despejos, outro ponto destacado é a violência simbólica que se expressa por meio da judicialização da luta pela terra. “Lá no Estado do Pará, especialmente em Marabá, a gente não tem uma área de ocupação sequer que não tenha um processo tramitando na Justiça, uma ação de reintegração de posse contra os trabalhadores. Normalmente, existindo uma ação de reintegração de posse, haverá despejo. Porque infelizmente o juiz da Vara Agrária que está à frente hoje tem uma visão jurídica sobre os processos que possibilita ele autorizar a reintegração de posse sobre uma área que ele sabe que é pública”, exemplifica a advogada.

Sobre a importância da Missão Ecumênica na região, Silvério destaca que a ação teve um papel estratégico, servindo como uma medida de proteção aos atores locais que estão em ação nesse cenário conflituoso.

Isabel Rodriguez, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (PA) é uma das sobreviventes da Chacina de Eldorado dos Carajás (1996), quando 19 trabalhadores rurais foram assassinados. Ela recorda da primeira missão ecumênica realizada na região, naquele ano, e destaca que a visibilidade dos assassinatos que acontecem na região são um dos pontos altos das missões: “os massacres continuam todo dia e ficam sem divulgação, são são mortes invisíveis”, pontua.

A roda ainda contou com a participação dos tupinambás da Serra do Padeiro, do Sul da Bahia. Cacique Babau esteve presente e animou a luta, com palavras de ordem. “Se na luta pela terra vence quem pode mais, a população pobre é maior. O que falta é a gente se unir e ter clareza do que queremos”.

Para nós que acompanhamos essas missões, ouvindo e vendo in loco essas lágrimas, nós nos emocionamos. A gente sabe que ainda existe muita luta pela frente – e não só das missões, mas até essas lutas se tornarem um compromisso da sociedade brasileira”, avalia a diretora executiva da CESE, Sônia Mota.