Juventudes, participação e o sonho de uma nova política

Vivemos tempos difíceis, de golpe e retrocesso de direitos. As eleições municipais serviram como prova desta nova composição de forças. As candidaturas de partidos que servem de base de sustentação ao governo golpista de Temer conquistaram a maior parte das prefeituras das cidades brasileiras. Nesse momento, apostamos na juventude que, juntamente com outras minorias, para representar a resistência política. Por isso o Direito Cidadania, à Participação Social e Política e à Representação Juvenil é fundamental para reversão desse quadro. Para falar da representação de jovens nos processos políticos e sociais, trazemos Eduardo Brasileiro com o texto “Juventudes, participação e o sonho de uma nova política”.

Juventudes, participação e o sonho de uma nova política

Falamos aqui daquel@s que trocam o individualismo por rodas, muti¬rões e conspirações para construir outros mundos possíveis. De sonhos parti¬lhados na coletividade. Falaremos, assim, sobre brechas que arejam um novo tempo político prenunciado pelas juventudes.

Para observar esse fenômeno, é importante deixarmos de compreender as juventudes e as culturas como realidades estáticas e passarmos a compre¬endê-las como realidades em evolução. Gosto de dizer que devem deixar de ser depósitos estagnados para ser fontes em movimento. Também seria neces¬sário deixarmos a visão romântica e idealizada de nossa própria juventude e passarmos a ter, dela, uma visão crítica e realista. Revisitar nossas referên¬cias juvenis, remodelar a visão de participação e aprofundar novas narrativas libertadoras é confrontar verdadeiramente os projetos políticos que temos na atualidade. A América Latina, assim como o mundo, passam, nesta década, por uma onda conversadora de disputa da hegemonia justamente pelo controle midiático, econômico e religioso de seus países. Assim, o avanço de oposições juvenis declaradamente de direita é um reflexo desse domínio que cresceu paulatinamente no período de governos progressistas. No entanto, onde nasce a contradição é onde está o poder da juventude.

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Referências místicas e históricas da participação juvenil

A opção preferencial pelas juventudes é um imperativo ético em nossa sociedade, porque dentro dela está a juventude em situação de rua, a juventude LGBT, a juventude pobre, preta e periférica, a juventude vítima das barragens, entre outr@s, que alertam para que a sua opção de serviço e inspiração sejam os milhares de sobrantes das viciosas entranhas do sistema capitalista.

A mística juvenil perpassa o pertencimento, a incidência e a utopia. É só olharmos o passado e observarmos o envolvimento de jovens por causas utópicas que geraram o sentido e a razão de suas vidas, partilhadas, rasgadas e múltiplas. Há jovens que são mártires de nossa caminhada. Cito o assessor da Pastoral da Juventude, Pe. Henrique, parceiro de Dom Helder Câmara na luta contra a ditadura, açoitado por milicos em Recife. Mesmo que proibis¬sem, e com os limitados meios de comunicação popular, as ruas de Recife, na madrugada, se incendiaram de velas nas mãos do povo rezando o corpo de um jovem levado ao chão pela bala do estado. “Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão”. Mover as entranhas por um projeto de resistência é transcender fronteiras.

A sociedade brasileira sempre teve jovens mobilizados por diferentes sonhos e causas. Porém, o contundente “sujeito de direitos”, só emergiu no final dos anos 80 e, portanto, é uma pauta jovem como a nossa democracia. Carece de fortalecimento e participação.

Juventudes e a disputa de pensamento

Sabendo que @s jovens estão em disputa numa sociedade polarizada, pautaremos o engajamento em causas democráticas e, portanto, plurais, que nada comunicam com as pautas juvenis do mercado e das religiões conserva¬doras – aliciadoras de um fascismo germinal, que perseguem todas as mino¬rias sociais não representadas, coincidentemente, na câmara federal. Mulhe¬res, negros, indígenas, LGBT’s, quilombolas, religiões de matriz africana, etc. O domínio nas redes é de formação conservadora que prevalece com pautas enérgicas (redução da maioridade penal, estatuto do nascituro, fim das cotas, nome social às pessoas trans). Torna-se urgente potencializar espaços de for¬mação humana que destoem do gravitacional campo de formação que a grande mídia do país talha diariamente.

Para isso, partimos de movimentos tradicionais e não tradicionais que operam na formulação de nova política, horizontal e antisistêmica, onde juven¬tudes vêm dedicando seus dias. As juventudes do campo na luta sem terra, dos povos tradicionais, do meio urbano, em especial após as jornadas de junho de 2013 – antes de serem tomadas pelo fascismo –, foram e são protagonistas na discussão de direitos numa possível política reformada ou revolucionada. Estes gritos e vozes ecoaram nos rolezinhos das juventudes, nos coletivos feministas, nos grupos autonomistas, nas ocupações de escolas, sobretudo nos saraus maloqueiristas das periferias que se espalham pelos cantos “onde o povo pobre anda” sendo semente de amanhãs desobedientes!
Assim, questionamos: qual é o eco desses movimentos em nossos círcu¬los, em nossas comunidades? Qual é a voz das juventudes em nossos espaços?

Incidência política: Ocupe as ruas e as instituições

MCPS

Ess@s jovens que se mobilizam e tomam o mote do #ocupe frisam para a sociedade a necessidade de retomar o locus simbólico da rua. No ato de ocu¬par, @s jovens não são consumidores, mas produtores de um ‘imaginário con¬creto’, que dá ritmo a novas percepções de uma luta organizada. Desse modo, para reconstruir o povo organizado da cidade, que hoje é um retrato “sem rosto e coração” – nos dizeres dos Racionais MC’s –, é preciso retomar formações de base com criticidade, engajamento popular e inserção, onde o grito do povo organizado se faz ouvir – nos movimentos sociais.

Mas, apesar dos espaços de incidência que os movimentos possibilitam, projetos de criminalização das juventudes são crescentes nos espaços de deci¬sões políticas como câmaras de vereadores, assembleias legislativas, câmara federal e senado. Reações devem ser sempre motivadas, como por exemplo os rolezinhos aos shoppings, que causaram desordem no locus do consumo por serem prática cultural neste espaço, já que as ruas foram tomadas de assalto por conta da criminalização dos bailes funks, sempre tratados como caso de polícia. Essa molecada sem inserção em movimentos sociais escancara, de fato, uma luta de classes no centro do consumo tradicional. Reverbera-nos também o recente movimento de ocupar as escolas públicas do Brasil, em especial em São Paulo, onde o Governo do Estado, comandado há 20 anos pelo mesmo partido, fazia lavagem de dinheiro com merendas escolares. É assim que os jovens secundaristas atualmente inserem-se em pautas educa¬cionais contra os desmandos militarizados de um governador. Ocupar, resistir, reverberar-nos em outras lutas.

Porém, fica vaga ainda a possibilidade de ocupar a política tradicional com primoroso vigor e representatividade. No entanto, sobre velhas e ultrapas¬sadas estruturas é preciso não implodir o prédio dando voz ao sentimento anti¬político que invade as ruas, mas reformar tijolo por tijolo, remontando a nossa constituição de 88 com a sensatez que não foi possível em nossa democratização.

É preciso a memória vigiar para que não caiamos no erro de negar a democracia. Devemos radicalizá-la esticando o tecido de suas composições, tecendo essa tal participação. Escolhi o tear inspirado pelos milhares de jovens imigrantes que são vítimas de trabalho escravo, em especial, bolivianos no Brasil. O ato de tecer se torna leitura de uma juventude que instala o tear da democracia e constrói a trama democrática que se faz nas várias frentes de participação.

Políticas públicas: ato de amor e compromisso

No Brasil, no primeiro governo Lula, foram criadas a Secretaria Nacio¬nal de Juventude e o Conselho Nacional da Juventude, com o intuito de arti¬cular, validar e elaborar programas e ações voltadas para jovens. Uma das respostas dadas pelo governo federal, por conta das manifestações de junho, foi a aprovação do Estatuto da Juventude. O estatuto reivindica a importância da circulação de jovens, seja no campo, seja no meio urbano. Esse direito à cidade perfila ao lado do direito à produção cultural e da ampliação de espaços públicos e está no centro dos debates das utopias das juventudes.

Diante deste cenário de inserção das juventudes nas teias de participa¬ção, a linguagem “direitos” ressignifica um conjunto de demandas da juven¬tude: de participação, reconhecimento e distribuição. Forja-se assim, uma presença juvenil que tem a capacidade de fazer diferente na cena pública, mostrando potencial político que resulte na criação de um novo paradigma – reorganizando sua condição de jovem –, ecoando nos governos e na opinião pública.

Remontar a mística de participação das juventudes de todo o Brasil é partir de sua gravidez, nas quebradas e vielas onde se questionam sobre esse mundão. Podemos provocá-l@s a saírem de suas incomodas e alienantes con¬dições que todos os dias diluem o projeto popular de sociedade ao sugerirem uma inalcançável – e por isso desejosa – via burguesa de cidade, constituída nas ausências, invisibilidades públicas, no recolhimento em tecnologias e em campos relacionais problemáticos. Por isso, a mística de artesãos de juventu¬des reorganiza nossos costumes, tradições, culturas, localizações e religiosida¬des que constituem o momento histórico atual, e partimos para um projeto de justiça social onde nós somos @s protagonistas.
Nesta memória trago os milhares de jovens que levantam cedo para fazer a história desse país. Onde retumbam sonhos coados na condição de classe trabalhadora. Cabe a nós despertarmos e fazer despertar para primave¬ras contínuas de nosso povo. Assim, impávidos e ousados, sejamos movidos por paixões que constroem presentes e desenham futuros.

Eduardo Brasileiro
Estudante de sociologia e política (FESPSP), católico. Assessor da Pastoral da Juventude de Ita¬quera – ICAR, do coletivo Igreja Povo de Deus em Movimento e da Rede Ecumênica da Juventude – REJU-SP.

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