Mulheres negras e de setores populares do Norte e Nordeste se fortalecem para enfrentar desafios colocados pela atual conjuntura política do país

Os cheiros de manteiga, pugari, doces e óleo de coco; a divisão do pescado, cavalgadas, balanço de rede, bonecas de capucho de milho, casas de taipa, fogão de lenha, quitutes, costura de fuxico. São lembranças da infância de Sílvia, Lorena, Rosalva, Neinha, Selenita, Dolores, Sônia, Deise, Vanessa, Lidiane, Tereza, Rosineide, mulheres negras e de setores populares nascidas no Maranhão, Amapá, Pernambuco, Piauí, Tocantins, Fortaleza, Rio Grande do Norte, Pará, Bahia, Ceará.

São também lembranças de outras participantes do Encontro Inter-regional Norte e Nordeste de Organizações de Mulheres Negras e dos Setores Populares, iniciado ontem (02/06), em Salvador. Elas são ligadas a movimentos sociais do campo e da cidade e contam com o apoio da União Europeia, da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço), e do SOS Corpo (Instituto Feminista para a Democracia), para realização da reunião, que segue até amanhã, no Grande Hotel da Barra.

De acordo com Sílvia Camurça, do SOS Corpo, “é uma ótima oportunidade para as mulheres pensarem juntas e construírem estratégias para os seus movimentos adotarem na luta por resistência na defesa de seus direitos”. Ela ainda disse esperar que o encontro contribua para o fortalecimento desses sujeitos sociais”. Com esse intuito, Analba Brazão Teixeira, também do SOS Corpo, coordenou dinâmicas de integração, ajudando o grupo a aflorar e direcionar suas energias para a elevação da autoestima e disponibilização para a reflexão.

Nessa mesma linha metodológica, as mulheres participaram de mais uma dinâmica de grupo, desta vez a partir da leitura e audição da música “A Flor da África”, que trata da luta e resistência do povo de África e Diásporas. “Vovó não quer casca de coco no terreiro / pra não lembrar do tempo de cativeiro”, entoaram juntas o canto, que na primeira estrofe aclama as nações africanas Banto, Jeje, Nagô, Ketu, Cabinda, Malé, Bengela, Mina, lembrando a riqueza da história e diversidade afrodescendente.

Debate público
As atividades, que seguem no dia de hoje, são uma prévia do debate Desafios da Conjuntura à Luta das Mulheres Negras e dos Setores Populares por Direitos e Políticas no Brasil Hoje. Aberto ao público, o diálogo será coordenado por participantes do Encontro a partir das 18h30, na Biblioteca Central dos Barris. “Tivemos a Marcha das Margaridas, a Marcha Nacional das Mulheres Negras, que nos deu fôlego, ânimo, elevou nossa autoestima e nos fortaleceu para a luta, mas, logo em seguida, estamos tendo uma sequência de episódios políticos que representam retrocesso para nós. E o debate ajuda na partilha de experiências e vivências, na discussão de estratégias”, destacou Rosana Fernandes, da CESE.

As participantes do Encontro são ligadas a movimentos sociais do campo e da cidade e estão em Salvador para discutir os rumos da política nacional e as recorrentes ameaças de retrocessos nas conquistas sociais dos últimos anos. Elas estão refletindo sobre a atual conjuntura política do país, os reflexos do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff na atuação de suas organizações, mas, principalmente, vão definir estratégias para o enfrentamento dessa conjuntura.

O Encontro é uma das ações do projeto Mulheres Negras e Populares: Traçando Caminhos, Defendendo Direitos, iniciado em 2015 e com ações previstas até 2017. A iniciativa é voltada para o fortalecimento da luta e auto-organização de marisqueiras, quilombolas, indígenas, trabalhadoras rurais, seguidoras das tradições de matriz africana, entre outros grupos de mulheres. As ações incluem apoio a projetos mediante Editais e seminários, encontros e oficinas, envolvendo os nove estados do Nordeste, além do Pará, Amapá e Tocantins.

A iniciativa visa principalmente contribuir para a integração social e melhoria das condições de vida de mulheres negras e de mulheres de setores populares em situação de pobreza das regiões contempladas. Tem também o objetivo de fortalecer o protagonismo do segmento e de suas organizações no debate público e nos processos de participação social referidos às políticas governamentais de combate à pobreza, e de inclusão social de mulheres e da população negra.

Sobre CESE e SOS Corpo
A CESE é uma entidade filantrópica que, há 43 anos, atua para fortalecer movimentos sociais e grupos populares que lutam por transformações políticas, econômicas e sociais, focando estruturas em que prevaleçam a democracia com justiça, intermediando recursos financeiros e compartindo espaços de diálogo e articulação. A instituição tem sede em Salvador, Bahia, e é composta por igrejas cristãs. Um dos meios para cumprir sua missão é o apoio a projetos de organizações populares.

O SOS Corpo é uma organização da sociedade civil, autônoma, sem fins lucrativos, fundada em 1981 e com sede em Recife, Pernambuco, que atua há 35 anos em prol da emancipação das mulheres, propondo a construção de uma sociedade democrática e igualitária com justiça socioambiental. Sua ação é fundamentada na ideia de que os movimentos de mulheres, como movimentos sociais organizados que lutam pela transformação social, são sujeitos políticos que provocam mudanças nas condições de vida das mulheres em geral. Para o instituto, a luta contra a pobreza, o racismo e a homofobia são dimensões fundamentais do feminismo, da transformação social para o enfrentamento do sistema capitalista, racista e patriarcal, produtor de desigualdades e sofrimento humano.

(Por Juci Machado)

Salvador, 03 de junho de 2016

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