Plateia lotada recebe Ivone Gebara em Roda de Diálogo sobre Estado laico e teologia feminista

A performance teatral do Grupo Bumbá, organização apoiada pela CESE que atua na formação artística da juventude de Pituaçu (bairro da periferia de Salvador), abriu a Roda de Diálogo “Estado Laico: O Olhar Feminista de Ivone Gebara”. Esquetes com diversas situações que expressam violações de direitos sofridas por mulheres e marcos históricos do feminismo deram o pontapé inicial do evento, envolvendo a plateia para discussão sobre laicidade do Estado e teologia feminista. Realizado nesta quinta (19), na Biblioteca Pública dos Barris, o evento foi uma realização da CESE, com apoio da Fundação Pedro Calmon, Biblioteca Pública do Estado da Bahia e da Faculdade de Educação da UFBA – Rádio FACED web.

Sônia Mota, diretora executiva da CESE, foi a anfitriã da noite e contextualizou o momento histórico vivido pelo Brasil. “Temos atualmente o Congresso mais conservador desde 1964. As conquistas que tivemos até hoje, depois de muita luta, estão seriamente ameaçadas. Temos sentido pela atuação da bancada BBB [Boi, Bala e Bíblia]. Destacamos o forte ataque aos movimentos feministas e a invisibilização da sua agenda de luta por direitos, com gradativos retrocessos aos direitos das mulheres, dos LGBTTs, da população negra. O que dizer da retirada da discussão sobre identidade de gênero e sexualidade nas escolas retirada do Plano Nacional de Educação? Nos atuais moldes, os nossos representantes políticos legitimam leis com fundamento bíblico e distorcem fundamentos cristãos para beneficiar determinadas igrejas e deslegitimar outras vertentes religiosas ou ainda impor sua fé e sua crença ao todo da sociedade”, expõe Sônia, fazendo um apanhado histórico do cenários de retrocessos dos últimos anos.

Com a proposta de Roda de Diálogo, Ivone Gebara inverteu a programação habitual de palestras: a filósofa e teóloga feminista convocou os e as participantes a fazerem perguntas para que fosse respondendo, uma a uma, durante o discurso, construindo juntxs o processo reflexivo. Pipocaram questionamentos: “Como viver minha fé no mundo político?”; “Com a retirada da discussão de gênero do currículo do Plano Estadual de Educação, como falar de Estado Laico quando o uso do nome de Deus vem para tirar direitos das mulheres?”; “Qual a diferença entre Estado Laico e Estado Ateu?”; Como viver minha fé no mundo político, como fica essa separação?”.

Na primeira parte da Roda, Ivone se debruçou em discutir a interferência de convicções religiosas em decisões políticas. “Políticos são seletivos ao usar o nome de Deus. A base do Evangelho é a ética, ou seja, se tem pão, divida em dois. Se tem terra, vamos repartir. O que eles acessam, na verdade é a teologia do poder. A imagem de Deus é usada como alter ego”, define a teóloga feminista, acrescentando que só ter um Estado laico não é o ponto, mas também educação para atentar-se ao bem comum.

Ter um Estado laico não significa apagar a importância da cultura religiosa, na visão de Gebara. Basta observar como o budismo é relevante para a cultura indiana ou o xintoísmo para Índia. A teóloga refuta os radicalismos, apontando como o Estado leigo pode nos convidar a refletir sobre o pluralismo cultural.

Também alertou o público sobre como a discussão sobre Estado laico acaba se centrando no campo jurídico. “A afirmação de Estado laico deve conter uma gama de direitos, como o das mulheres, que devem entrar como parte da concepção de Estado Laico: o direito ao nosso corpo, as nossas decisões, à nossa saúde física e emocional”.

“Nos mulheres temos que falar mais, mais e mais”
A entrada da mulher no espaço público, político é o momento em que Ivone Gebara define como o início das discussões em torno do feminismo.

“Você sabe por que mulheres têm dificuldade em obedecer mulheres? Nossas emoções foram educadas, dizendo que este não é o nosso lugar e homens recebem educação de que esse não é lugar das mulheres. Nossas formulações nem sempre passam pela razão, passam pela emoção também”. Por essa razão, emenda a filósofa, que para muitos homens, mulheres não tem direitos, é como se tivessem seu direito usurpado por elas. “Por isso que tem muita gente que xinga a presidente eleita sem saber. E se você perguntar o porquê, insistir, você percebe que as respostas não tem substância”, esclarece.

Ivone completa a linha de raciocínio, evidenciando que, para muitos homens, o Estado laico é apenas político – mas limitado politicamente a uma concepção de política. Já para mulheres, está relacionado à liberdade sobre seus corpos. “Mas essa concepção [a última] não entra na concepção de Estado leigo que está na Constituição”.

“Proponho mudanças efetiva das mulheres. Não basta afirmar que Estado laico, é preciso saber que significado estamos dando à laicidade, exigir, provocar ações, denunciar. Nós mulheres temos que falar mais, mais e mais”, finaliza, convidando às presentes na Roda de Diálogo para atuarem mais incisivamente na esfera pública para o fortalecimento de direitos no campo de gênero.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *