Após incêndio criminoso, Casa de Reza do Povo Guarani Kaiowá é reconstruída em Dourados (MS) - CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço" /> Após incêndio criminoso, Casa de Reza do Povo Guarani Kaiowá é reconstruída em Dourados (MS) - CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço" />

Obra contou com apoio da CESE e HEKS/EPER. Inauguração foi adiada devido a pandemia do coronavírus

Por Bruno Santiago

“É como se tivessem colocado fogo no Vaticano. Já imaginou?’’. É com essa comparação que a professora Edina Souza tenta explicar a violência que foi praticada na Aldeia Jaguapiru, no território indígena do Povo Guarani Kaiowá, em Dourados (MS). No dia 8 de julho de 2019 a Casa de Reza Gwyra Nhe’engatu Amba foi incendiada e sua estrutura completamente destruída junto com os objetos sagrados que ali estavam.

Rezadores oram sobre as cinzas da ogapysy na aldeia Jaguapiru, em Dourados. Foto: povo Guarani Kaiowa

Consideradas um espaço sagrado para o Povo Guarani Kaiowá, não é a primeira vez que Casas de Reza são incendiadas na Aldeia Jaguapiru. Segundo a Ñandesy Alda Silva, uma das responsáveis pela gestão do local, essa foi a terceira vez que a Gwyra Nhe’engatu Amba é atacada, queimada e reconstruída.

Para a professora e coordenadora do Núcleo de Educação Indígena de Dourados, Teodora Souza Guarani Kaiowá, a violência praticada foi movida pela intolerância religiosa e pelo preconceito que é disseminado dentro e fora dos territórios indígenas nos últimos anos. “Essa queima representa a intolerância em suas diversas formas: religiosa, linguística, étnica, cultural e simbólica’’, conta.

Não é de hoje que os povos indígenas convivem com outras culturas e religiões, porém, para Teodora, o avanço da violência acontece por conta da maneira como indígenas são retratados nas escolas e na grande mídia. “Sabemos que o padrão de beleza e a visão hegemônica é outra. Tudo que vem da Europa, dessa visão eurocêntrica, é colocado em um patamar superior ao nosso. A violência nasce dessa desvalorização do que é do nosso povo’’, destaca.

A reconstrução

De acordo com a professora Edina Souza, a Casa de Reza pode ser compreendida como a “extensão do corpo místico do Povo Kaiowá’’. Após o incêndio, devido a intensidade do impacto emocional do ocorrido, o Ñaderu Getúlio Juca adoeceu e foi internado em hospitais das cidades de Dourados e Itaporã (MS). Entretanto, em sintonia com a reconstrução do espaço sagrado, a saúde de Getúlio também apresentou melhora e hoje o cacique é um dos responsáveis pela obra

Casa de reza reconstruída (agosto 2020)

“Querem acabar com a nossa cultura e nós não vamos deixar. Essa Casa aqui foi construída graças ao apoio de muita de gente. Não vamos deixar isso morrer novamente’’, partilha o Ñaderu Juca, que se refere ao apoio solidário que as famílias Kaiowá receberam da CESE e HEKS/EPER.

Por meio do apoio do projeto emergencial da CESE e HEKS/EPER foram destinados recursos que viabilizaram a compra dos troncos de madeiras e o do sapé, utilizado na cobertura da casa, além de equipamentos diversos e da remuneração e alimentação dos colaboradores do projeto. Vale destacar que os trabalhadores da parte estrutural da obra são todos indígenas da Aldeia, o que garantiu que o projeto arquitetônico fosse fiel à tradição do Povo Kaiowá.

Símbolo de esperança

As obras de reconstrução da Casa de Reza tiveram início em novembro de 2019 e sua finalização aconteceu no mês de abril de 2020. Infelizmente, por conta da pandemia do novo coronavírus, sua reinauguração ainda não possui data marcada, mas, em agosto desse ano, foi realizada a cerimônia “Xiru Jererova”, uma prática da espiritualidade do Povo Kaiowá que marca o retorno dos objetos sagrados e do cacique para o espaço da Casa.

Segundo Edina Souza, a Casa de Reza não é apenas um espaço de espiritualidade, mas também funciona como um centro cultural e educacional, cumprindo a função de assegurar a preservação da memória, tradição e dos saberes indígenas do Povo Guarani Kaiowá. “Por ser esse espaço de fortalecimento para as pessoas, muitas atividades podem ser programadas, incluindo jovens, idosos, crianças, mulheres e até não indígenas’’, explica.

A Casa de Reza Gwyra Nhe’engatu Amba possui também sua importância na vida política do povo Kaiowá, tendo sediado a Assembleia Aty Guasu de lideranças Guarani Kaiowá e o Kunhangue Jeroky Guasu – Encontro Nacional de Estudantes Indígenas. Antes de ser incendiado o espaço estava sendo utilizado pela organização de mulheres de Aldeia para reuniões e articulação de atividades.

Aldinéia Silva Guarani Kaiowá, filha do Ñaderu Getúlio e da Ñadesy Alda, não economizou nos sonhos e projetos que já traçou para o espaço após sua reinauguração oficial. “Faremos o batismo das crianças, o batismo do milho, nossas danças, oficinas de plantas medicinais e de artesanato, e convidaremos as escolas para conhecerem um pouco de nossa história’’, revela a jovem com entusiasmo.

Apesar das intolerâncias e violências sofridas diariamente pelos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, a Casa de Reza da Aldeia Jaguapiru foi reerguida e resiste sendo símbolo concreto de esperança para o Povo Guarani Kaiowá.