CESE apoia formação de jovens para arte e resistência

Iniciativa do Movimento Sem Teto da Bahia fortalece a autonomia de jovens do Subúrbio de Salvador

A arte pode ser um instrumento de luta, de fortalecimento da autoestima e de expressão de si, dos seus anseios. É assim que o Movimento Sem Teto da Bahia decidiu formar jovens soteropolitanos, compreendendo o poder de envolvimento e sensibilização que o teatro, a dança e a poesia têm. O projeto, intitulado AQUILOMBAMENTO: OCUPAR (RE) EXISTIR E ESPERANÇAR, conta com o apoio da CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviço e envolve atualmente 30 jovens no Subúrbio Ferroviário de Salvador.

A proposta da juventude do MSTB tem como finalidade promover atividades formativas no âmbito da Arte e Resistência, através da formação de jovens e do fortalecimento de vínculos afetivos, vivências, simbologias e ações coletivas, bem como da autogestão e multiplicação do aprendizado. Voltada para a juventude sem teto, a formação sociopolítica parte de refletir sobre a moradia como um direito humano básico e a necessidade de luta em defesa de sua garantia. A juventude é estimulada a fortalecer sua autonomia, através de atividades que envolvem conhecer a história das lutas e da resistência pela moradia, conhecer a trajetória e o pensamento de personalidades como Conceição Evaristo, Angela Davis e Nelson Mandela e refletir sobre a potência do aquilombamento e a valorização da ancestralidade.

De acordo com Juliana Santos Silva, uma das idealizadoras do projeto e Comissão de Formação Política Pedagógica do MSTB, a formação com a Juventude do Movimento Sem Teto na Bahia tem como foco a arte e resistência. As ações estão em desenvolvimento, envolvendo atividades de escrita criativa, como Poesia de Resistência e RAP e audiovisual, com a reflexão e ação sobre os territórios quilombos do movimento”. Ela explica que a juventude, a partir da formação em andamento, realizará um documentário sobre sua realidade na pandemia, como é ser jovem participando de um movimento organizado. “Também temos atividades de dança, território-corpo como resistência e Teatro do Oprimido, que é nosso eixo de formação e instrumento de formação política”. Por compreender o longo período de distanciamento das escolas e dos espaços de ensino e aprendizado, as atividades estavam se desenvolvendo na Ocupação Manoel Faustino, que conta com um espaço aberto onde é possível garantir o devido distanciamento social.

A gestora identifica como resultados perceptíveis do projeto em andamento a reconhecível elevação da autoestima, a compreensão de pontos importantes para a luta política e conhecimento de nossa própria história de lutas e resistências, a exemplo da Revolta dos Búzios, “Nas aulas eles descobrem o que é poder popular e como construímos. Também tratamos do envolvimento dos jovens na mobilização e construção de metodologias para participação. O projeto está em curso e percebemos que o envolvimento dos jovens está acontecendo de forma bem positiva” acrescenta.

Parceria e Protagonismo

Diante dos desafios colocados para os movimentos populares no contexto de pandemia, desde o primeiro semestre de 2020, a parceria com a CESE foi definitiva para viabilizar a ação necessária junto à juventude. “A CESE é uma parceira de vários movimentos de luta e resistência e vem contribuindo de forma ativa e participativa. É uma relação de extrema importância para os movimentos sociais, especialmente nesse momento de pandemia. Ter essa parceria nos deu mais fé e esperança num futuro melhor”. A iniciativa supre uma enorme lacuna deixada pela suspensão das aulas iniciada no contexto pandêmico, bem como os desafios que garotas e garotos encontram nesses momentos. “Essa formação chega num instante em que a juventude está há um ano em casa, sem acompanhamento escolar. A parceria permite a criação de focos de participação popular e tem uma importância extrema”

A jovem Maria Luiza Santos tem 19 anos e é ativa no Movimento Sem Teto da Bahia e foi formada para atuação como multiplicadora, compartilhando seus saberes junto a outros jovens. “Participar da formação foi algo de extrema importância para minha trajetória. Todas as atividades tiveram grande significado. Aprendi muita coisa. Houve troca de conhecimento e saberes. Estou no Movimento Sem Teto desde muito nova. Por isso, é muito bom ver uma nova geração chegando, podendo reconhecer seu papel na sociedade, reconhecer seu papel de luta, resistência e ver na arte uma forma de lutar. Ter o protagonismo da juventude com a arte, com a poesia e com a dança” conta a multiplicadora. De acordo com sua experiência, é muito valoroso o lugar de efetivo protagonismo dos jovens no projeto, pois de jovem para jovem ocorre maior adesão. “O fato da juventude estar na linha de frente para construção das atividades fortalece, dá autonomia, e também nos dá auto estima tanto enquanto multiplicadores, quanto para as pessoas participantes”.

Imagens: Arquivo MSTB-BA

Aos 26 anos, Antônio Carlos Jesus de Sousa revela que participar de processos de formação foi muito bom e também muito árduo. “Eu nunca imaginei participar de uma formação, por não querer e por ser rebelde. Hoje entendo que ocupar é um direito. O movimento me resgatou e lapidou. Hoje sou uma pessoa que pode pensar” revela o jovem.

A formação também despertou o gosto pela escrita: “eu comecei a escrever poesia e a cada poesia eu sentia que estava no movimento certo e a luta estava adormecida dentro de mim. A luta é cotidiana, diária, mas eu entendi que o conhecimento é a chave de tudo”. E junto com a expressão própria, Antônio Carlos vivenciou a autoidentificação enquanto negro e a elevação de sua autoestima. “Comecei a me identificar enquanto negro, a me ver como descendente de reis e rainhas. Ao descobrir que meu cabelo é significativo, é algo de minha origem, de minha ancestralidade. Eu aprendi que cada detalhe do meu corpo são marcas dessa descendência”.

Em 2020, a CESE apoiou a ação emergencial do MSTB diante da crise humanitária causada pela COVID-19, com objetivo de arrecadar alimentos, produtos de higiene pessoal para ocupações que carecem de saneamento básico e fornecimento de água. As pessoas atendidas pelas iniciativas do Movimento vivem um contexto de informalidade e se veem ainda mais pauperizadas por toda crise socioeconômica desencadeada pelo contexto da pandemia. O projeto de formação com jovens aprofunda as parcerias e colaborações entre a entidade com o movimento popular.

Fortalecimento das juventudes no Brasil

O diálogo e a articulação, como estratégia de ação da CESE, têm se firmado como elementos essenciais para a construção de um trabalho voltado para cumprimento da missão, enfrentamento às desigualdades e a busca por afirmação dos direitos humanos. Por esse motivo, a CESE tem se aproximado de organizações/coletivos de juventudes para fortalecer suas lutas por transformações políticas, culturais e socioeconômicas.

Em 2020, a CESE realizou uma Roda de Diálogo com diversas representações de juventude do campo e da cidade, envolvendo mulheres, juventude negra, camponesa, pescadora, indígena, LGBTQI+, quilombola e de diferentes expressões culturais. Essa iniciativa articulou cerca de 20 grupos e apoiou 14 projetos, em execução este ano, de várias localidades do país, especialmente das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.