CESE promove encontro para aproximar comunicadores do Cerrado e jornalistas da imprensa alternativa

Os povos e comunidades tradicionais que vivem no Cerrado sabem da sua importância para a conservação dos territórios – da floresta viva, dos rios limpos, da terra livre de veneno. Os seus modos de vida, de manejo da terra e das águas, respeitam os ciclos da mãe natureza, garantindo a manutenção da nossa sociobiodiversidade.

Ainda que sejam fundamentais para a existência do Cerrado, da Amazônia, do Pantanal e de outros territórios, essas populações encontram dificuldade para pautar a grande imprensa de forma positiva. Dominada por políticos e empresários do agronegócio, que muitas vezes são os donos dos veículos, a mídia hegemônica escolhe mostrar apenas as tragédias enquanto legitima e esconde os responsáveis pela destruição ambiental.

Diante desses desafios, a CESE realizou no último dia 29 de novembro, a “Roda de Conversa Virtual – Comunicação Estratégica: narrativas e saberes dos povos do Cerrado”. O encontro teve o objetivo de proporcionar a escuta e troca de saberes entre coletivos de comunicação, jornalistas da imprensa alternativa e organizações ecumênicas e populares, no âmbito da luta e defesa dos territórios.

Mais de 30 integrantes de coletivos do Cerrado participaram de uma conversa com as jornalistas Lorena Carneiro, editora do Brasil de Fato Bahia, Vânia Dias, da TVE Bahia, e Luis Brasilino, editor do Le Monde Diplomatique Brasil. A ideia era que elas/es falassem um pouco sobre quais os melhores caminhos para que os povos e comunidades tradicionais consigam acessar e pautar veículos de comunicação, em especial os seus.

Ao falar de sua trajetória, Vânia citou alguns empecilhos que geralmente fazem parte do dia a dia de uma redação jornalística e deu dicas para driblar esses entraves. “Existe uma hierarquia dentro do jornal e que, por mais que você se identifique com aquela pauta, a chefia pode não se identificar e a pauta cair por isso. Não é uma coisa individual do jornalista. Recebo muita pauta, mas fico triste porque a decisão não é minha”.

Ela falou sobre a importância de saber para qual veículo indicar sua pauta, a partir da linha editorial dele – se tem um viés mais conservador, não adianta tentar. Em outros casos, apesar de o veículo ou jornalista estar mais alinhado ideologicamente com os povos e comunidades tradicionais, eles podem não ser capazes de traduzir aqueles fatos para dentro do jornal, portanto um release bem elaborado é fundamental.

Vânia diz que também é importante conhecer os veículos. “Se você tem um fato urgente para noticiar, um programa que é gravado não lhe ajuda. Tem que ir no ao vivo. Importante fazer uma lista, buscar saber quem são as jornalistas aliadas ali dentro, conseguir e salvar seus contatos. Todo jornal tem reunião de pauta pelo menos uma vez na semana. Se a pauta chega para nós naquele dia, ela tem mais chances de ser aprovada”.

Complementando a fala de Vânia, Lorena destacou algo que a grande mídia costuma repetir com certa frequência na tentativa de trazer credibilidade para a sua imagem: a suposta imparcialidade jornalística. “Não existe jornalismo neutro. Se você tem que escolher qual matéria entra e qual sai, você já está fazendo uma escolha política. Ela é balizada por uma linha editorial, por algum tipo de pensamento.”

Ainda no campo das dicas, ela recomendou que os grupos sempre tenham pelo menos uma pessoa dedicada à comunicação. “Por mais que existam limitações, é importante ter essa pessoa dedicada a isso. Que possa pensar antes, planejar. Fazer fotos, elaborar mais a informação que irá mandar para a imprensa.”

Ela deu dicas de ferramentas que jornalistas usam para facilitar o seu trabalho, na hora de escrever os textos, como o lead – um parágrafo que contém as principais informações sobre o acontecimento – e que podem ajudar, no momento de enviar aquela pauta ao jornal: O quê – que atividade/fato aconteceu? Quando aconteceu/vai acontecer? Onde – local de realização? Contato – quem pode falar mais sobre o assunto?

O Brasil de Fato é um veículo de abrangência nacional e assumidamente alinhado à causa popular. Sua regional baiana possui um site (o www.brasildefatoba.com.br) que cobre a Bahia, o Brasil e o Mundo e um programa de rádio que vai ao ar todo domingo e é disponibilizado no gratuitamente no aplicativo Spotify, além da atuação em redes sociais.

Para entrar em contato com a equipe nacional do Brasil de Fato, o e-mail disponível é redacao@brasildefato.com.br. Já para falar com a equipe da Bahia, o endereço é redacaobahia@brasildefato.com.br – nesse caso, o contato também pode ser feito por WhatsApp através do número (75) 9 9843-9485.

O Le Monde Diplomatique Brasil também segue uma linha editorial contra hegemônica. Boa parte dos artigos publicados em seu site (www.diplomatique.org.br) são de parceiros. Segundo Luis, são em média 70 a 80 artigos por mês, que já chegam prontos para que a equipe possa analisar, dialogar e eventualmente publicar. “Aí que seria interessante ter essa colaboração de vocês”, afirmou o jornalista aos movimentos.

Luis explica que o Diplomatique Brasil busca dar prioridade a “análises aprofundadas, textos longos. Algo que você possa ler, inclusive, depois de meses ou anos, baseado em dados, pesquisa. Que tenha uma contextualização histórica, geográfica, política ou social.”

Além do site, o veículo também possui um podcast semanal – o Guilhotina, que também é disponibilizado gratuitamente no Spotify – em que traz entrevistas com objetivo de aprofundar a discussão sobre um tema e que já produziu séries como “Cerrado dos Povos: Saberes e Biodiversidade” e “Ocupação da Amazônia pelo mercado”. O e-mail para envio de pautas é luis@diplomatique.org.br.

Vânia é uma mulher negra, feminista, antirracista e soma em sua trajetória 10 anos de experiência televisiva e um comprometimento com pautas progressistas e discussões sobre arte, cultura, saúde, infância, meio ambiente e cidade. O contato pode ser feito através do e-mail vaniadiassoueu@gmail.com.

Jornalistas de outros veículos foram contactados e mandaram vídeos para o encontro – Mídia Ninja, Agência Envolverde, Nexo Jornal, Ecoa UOL, Repórter Brasil, Agência Pública, Sumaúma, Mídia Índia, Amazônia Real e Agência Rádio Web – informando meios que os grupos podem utilizar para entrar em contato com suas redações. Todos/as os/as participantes receberão esse material após a atividade.

Os desafios dos povos e comunidades tradicionais do Cerrado

A Roda de Conversa também trouxe representantes das alas de comunicação das organizações. Lara Thifanny Ferreira, do GT de Juventude do Bico do Papagaio, e Maryellen Crisóstomo, da coordenação do Coletivo de Comunicação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) falaram sobre suas experiências e desafios enquanto comunicadoras do Cerrado.

Maryellen criticou as discussões sobre as mudanças climáticas e “soluções” que aparecem dos encontros internacionais destinadas às comunidades, e não às áreas dos grandes empresários. “É a coisa mais contraditória que existe, porque não somos nós que destruímos o bioma. Não somos nós os responsáveis pelo desaparecimento de árvores e animais na natureza. Nós temos relação de afetividade. Era o rio que a gente tomava banho, nossas bisavós frequentavam, a mata que todas as pessoas conheciam e sabiam a importância.” Ela pontua que até mesmo os conflitos noticiados são problemáticos.

“Casos de violência repercutem mais, mas aquele conflito não começou ali. Existe um contexto, mas ele só é noticiado quando há algo muito extremo, como assassinato de lideranças. A gente tem dificuldade de emplacar um agendamento positivo, relacionando a importância dos povos e comunidades tradicionais para a preservação do bioma. A discussão tem que ser reformulada nesse sentido”, finaliza.

Lara também abordou a dificuldade que sua comunidade enfrenta para furar as bolhas locais. “Ainda temos dificuldade de fazer com que chegue aos espaços fora dos nossos meios de militância. Precisamos fazer com que a nossa base tenha acesso aos meios de comunicação.”

Ela cita um exemplo que tiveram êxito neste aspecto, quando participaram de uma formação e conseguiram um programa de rádio em uma grande emissora local. “Ali assumimos o microfone e chegamos à conclusão de que estava na hora da gente ser protagonista da nossa própria história. Ninguém melhor do que nós pra falar sobre o que a gente vive”.