Comunidades veredeiras se reúnem em defesa do Cerrado

3º Encontro das Comunidades Tradicionais Veredeiras contou com apoio do Programa de Pequenos Projetos da CESE e marcou as comemorações do Dia Nacional do Cerrado

Um espaço de fortalecimento dos povos veredeiros e comunidades tradicionais do Norte de Minas Gerais. Foi este o significado do 3º Encontro das Comunidades Tradicionais Veredeiras e Intercâmbio, realizado pela Articulação Rosalino Gomes nos dias 9, 10 e 11 de setembro, na Comunidade Tradicional Veredeira Japão, no município de Bonito de Minas. Na oportunidade, aproximadamente 300 pessoas participaram do evento, que reuniu os povos que habitam as veredas e brotam guardando águas do Cerrado.  A iniciativa contou com apoio da CESE através do Programa de Pequenos Projetos e marcou as comemorações do Dia Nacional do Cerrado.

Inspirado pelo tema “Veredas Vivas e Cerrado em pé”, o encontro teve como objetivo principal fortalecer a identidade dos povos que vivem nas veredas, além de ser um espaço de encontros, socialização de lutas e estratégias para enfrentar o modelo de “desenvolvimento” imposto nos territórios tradicionais veredeiros. Ainda houve espaço para comercialização de produtos de cada comunidade, fazendo ver de perto as riquezas de cada localidade, os frutos e sabores do cerrado, além das trocas de sementes crioulas.

Dentre os objetivos da iniciativa, estavam a articulação de propostas que dialogassem com o modo de vida dessas populações; pensar a incidência nas políticas públicas para efetivar direitos; e debater propostas de regularização fundiária dos territórios, frente ao marco legal de povos e comunidades tradicionais. Por essas razões, na oportunidade, foi amplamente discutida a mobilização feita pelas comunidades com intuito de barrar os impactos que a empresa Brasil Agro poderia gerar na região – dentre os quais, o desmatamento de grandes áreas verdes para cultivo de soja e pastagem. A ação política coletiva provocou o impedimento legal da instalação na empresa.

Reorganização – O papel desse encontro foi reorganizar a luta do movimento veredeiro e da Articulação Rosalino Gomes, a partir das demandas e conflitos existentes na região do Norte de Minas. O longo período da pandemia paralisou os encontros e trocas. Neste momento, é importante fortalecer as comunidades veredeiras e demais povos tradicionais no enfrentamento aos grandes empreendimentos e os prejuízos gerados, especialmente com o desmatamento para produção de carvão, de forma ilegal.

Além de discussões, espaços formativos e oficinas, também foi preparada no evento uma cartilha com temas relevantes para a região, a exemplo da questão das águas, a importância desse ambiente para os veredeiros e o que é ser um veredeiro. “Nessa cartilha, trouxemos também um pouco sobre os direitos dos povos e comunidades tradicionais, quais são os espaços para reivindicar direitos e fazer a luta, que leis respaldam os povos tradicionais”, explicou Mírian Nogueira Souza, coordenadora dos eixos Povos e Comunidades Tradicionais e Agroecologia do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA/NM.

De acordo com Jaime Alves Santos, agricultor familiar presidente da ACEVER – Associação Central Veredeira, “o encontro teve um compromisso em articular os povos para gerar a documentação necessária para barrar avanços de projetos neoliberais que geram impactos socioambientais no Norte de Minas Gerais e no Cerrado”. Segundo ele, os impactos vão desde o desmatamento, com perda de árvores nativas, até a contaminação das veredas, das nascentes e lençóis freáticos. “As empresas geram todo esse dano, depois saem do território e nos deixam com o prejuízo” acrescenta a liderança.  Para ele, um dos destaques do evento foi o diálogo com o Ministério Público de Minas Gerais, compreendendo mecanismos de proteção para as comunidades.

Entre as ações deliberadas no evento está a elaboração de uma carta para o Ministério Público de Minas Gerais, pressionando pela regularização – prometida há cinco anos – do território de veredas, dentro do distrito de São Joaquim, no município de Januária. A regularização pode evitar a ocorrência de situações de extrema violência e as proteções necessárias. O evento também debateu a situação de retomada de sete comunidades comprometidas na região, onde se intencionava formar o Parque Serra das Araras – proposta rejeitada pelas comunidades que querem manter preservados seus modos de vida.

“O Encontro de Veredeiros ocorreu na comunidade quilombola e veredeira de Japão, uma comunidade bem isolada no município de Bonito de Minas.  É a comunidade que está mais próxima da área de interesse da Brasil Agro e que sofreria o impacto direto. A gente realizou o encontro lá com esse objetivo de fortalecer a comunidade e prestar todo apoio, para que a comunidade saiba que não está sozinha nesse enfrentamento”, revela Mírian Nogueira. Esse fortalecimento das comunidades é valioso porque os grandes projetos do capital chegam povoados de promessas de geração de emprego e renda, desenvolvimento, mas na prática não é isso o que acontece. Muito frequentemente, o que fica de legado é a destruição ambiental, especialmente da água e dos modos de vida dos povos tradicionais.

Identidade Veredeira – Mas o que é ser um veredeiro? Essa pergunta ecoou durante os dias de encontro, procurando inspirar a reflexão sobre a identidade desse povo neste ambiente ameaçado. “Ser veredeiro é ser guardião da biodiversidade, do nosso bem comum, das águas do cerrado, da riqueza da nossa Mãe Terra. Ela que nos dá de tudo e não deve ser comercializada. Ser veredeiro é ser zelador da natureza”, afirma orgulhoso Jaime Santos. As veredas estão ameaçadas e sob forte impacto desde a década de 70, com a implantação de grandes empresas. Ao longo das décadas também persiste a resistência dos grupos, que tiveram êxito junto ao Ministério Público barrando a implantação desse projeto cujo efeitos seriam irreversíveis para as comunidades tradicionais e meio ambiente.

Para o presidente da ACEVER, a parceria com a CESE cria as condições para os movimentos locais fazerem acontecer a luta. “Contar com o apoio da CESE e de outros parceiros, nos permite lutar pela fauna, flora, pelas águas, para que o nosso cerrado permaneça de pé. Quem nos apoia, ajuda nesse sentido de preservação e a natureza agradece”, declara a liderança. A primeira edição do encontro ocorreu em 2017, promovendo as trocas entre os diferentes agrupamentos e a construção de ações para enfrentar os desafios comuns, especialmente os conflitos territoriais e socioambientais.

Articulação – A Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais pauta a urgência da construção de alianças entre os povos, organizações, lideranças, movimentos sociais, e todos que almejam o bem viver. A articulação é composta por oito povos tradicionais do Norte de Minas Gerais (indígenas Xakriabá e Tuxás, quilombolas, apanhadores/as de flores, catingueiros/as, geraizeiros/as, veredeiros/as, vazanteiros/as e vacarianos/as), com o objetivo de unificar as lutas dos povos da região. A entidade surgiu em 2010 e hoje se consolida como espaço de organização e de construção de alianças envolvendo a diversidade tradicional da região do Norte de Minas e Alto Vale do Jequitinhonha.

Em agosto de 2019, as comunidades veredeiras criaram a Associação Central das Comunidades Veredeiras (ACEVER), para fazer valer seus direitos enquanto Povos Tradicionais. As lutas dos veredeiros chama atenção para o papel dos povos e comunidades tradicionais no uso racional e na conservação dos recursos naturais, considerando que as comunidades veredeiras desenvolveram ao longo da história formas próprias de uso e manejo dos ambientes de matas, gerais, chapadas e brejos e que foram fundamentais para a conservação das veredas e de suas águas.