Eleições 2022: compromisso com a democracia e a luta antirracista são temas de debate entre organizações de mulheres

A proximidade das eleições tem trazido a necessidade de discussões acerca dos espaços de participação social, das agendas de lutas das mulheres, dos/as negros/as, dos povos originários, da população LGBTQIA+, pessoas com deficiência e esse ano mais fortemente sobre a defesa da democracia no país. Em um dos mais decisivos processos de escolhas das representações políticas, de enfrentamento às ondas conservadoras e ameaças de golpe, as mulheres estão organizadas para romper as estruturas do patriarcado e do racismo, seja através das reivindicações de políticas públicas ou do apoio e lançamento de candidaturas próprias. Em todos os espaços, elas trazem em suas pautas questões estruturantes e transversais junto às populações mais vulnerabilizadas, e a defesa de uma democracia mais plural, com equidade de raça e gênero.

Com objetivo de discutir essa conjuntura política, trocar experiências e contribuir para reflexão sobre os caminhos para um sistema democrático que represente o povo brasileiro, foi realizada a Roda de Conversa Virtual – “Cenário Político e Eleições 2022: E nós, mulheres, nisso?”. A atividade foi co-promovida pela CESE e Fórum Marielles e deu continuidade às ações de fortalecimento das organizações das mulheres do Nordeste que compõem a chamada “Comunidade de Prática”, envolvidas no Programa Doar para Transformar.

O encontro contou com a exposição dialogada de Mônica Oliveira (Coalizão Negra por Direitos), Carmen Silva (Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político e Instituto SOS Corpo), Piedade Marques (Campanha Voto em Negra) e Denize Ribeiro (Fórum Marielles) e com a participação ativa de aproximadamente 45 mulheres principalmente dos estados do Nordeste, entre elas, mulheres negras, ecumênicas, ativistas, lideranças comunitárias, indígenas, camponesas, quilombolas, pescadoras, cegas e com baixa visão.

Um elemento central da discussão foi sobre qual é a democracia e para quem ela serve no Brasil. Questionamentos vieram à tona, no sentido de como pensá-la na forma de organização das sociedades e na vida das pessoas, para além da institucionalidade, do Estado e do sistema político.

Piedade Marques, trouxe o exemplo da campanha “Eu Voto em Negra” que visa ampliar a participação de mulheres negras nos espaços de poder: “Essa iniciativa nos faz compreender e pensar estrategicamente o lugar que queremos estar. Vem desde ações de formações com candidatas e interlocução com partidos, até a visibilidade e ampliação das suas vozes.”, declara uma das articuladoras da campanha.

Segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres negras representam 27,8% da população brasileira, elas são as mais expostas a condições de pobreza e situação de violência, mas ocupam apenas 2,36% dos acentos do parlamento. Também nesse aspecto Denize Ribeiro aborda que políticas antirracistas não têm sido pautas dos debates políticos atuais e de muitas propostas de governos: “Historicamente temos a experiência da não-política, não realização no que se refere as políticas de inclusão social. É uma marca presente da população negra. Mas, por outro lado temos muitas experiências coletivas de sobrevivência e resistência. São experiência que estão sendo resgatadas e ressignificadas para serem replicadas pelas iniciativas coletivas de mulheres negras.”, afirma a expositora.

Para Mônica Oliveira, como raça e gênero são componentes em evidência, muitas pessoas têm se apropriado de termos e do discurso dos movimentos sociais para driblar a opinião pública sobre a defesa de direitos: “Que feminismo neoliberal é esse que só garante direitos até certo ponto? Não há proposta de mudança profunda e superação das desigualdades. Com isso, parte da sociedade que não tem aproximação com as nossas agendas, com as nossas concepções e compreensões passam a ter a ideia de que mulheres e minorias estão sendo contempladas em seus direitos”. Essa apropriação é extremamente perigosa para a movimentação política do campo progressista não só disputa por votos, mas também na compreensão do sentido do feminismo.

Sobre esse processo de conveniência política, boa parte praticada pela direita, Gisele Costa, uma das participantes da Roda e  representante do Fórum Marielles, chama atenção para alteração do perfil racial de candidatos/as brancos/as para pretos/as e pardos/as como uma forma de burlar a justiça eleitoral para obter recursos destinado a candidaturas negras: “Tem candidato branco se autodeclarando negro. E nesses casos não há nenhum programa com recorte racial. É somente para ganhar minutos nas propagandas eleitorais.”. E Mônica Oliveira complementa que é preciso se atentar para o racismo que vigora nos partidos e na própria política brasileira “Não queremos bancada negra, queremos bancada de movimentos negros. Uma bancada autônoma, com alianças, mas sem subordinação às agendas partidárias. Representantes que criem, juntamente com os partidos, mecanismos de prevenção e proteção para mulheres negras, travestis, trans, indígenas e tantas outras que estão nessas instâncias, sujeitas a sucessivas violências.”.

Pensando numa democracia que faça enfrentamento às desigualdades, às sub-representações e aos formatos de participação, Carmen Silva faz uma abordagem sobre a necessidade de radicalidade democrática. Para ela, as movimentações autônomas e orgânicas das candidaturas são importantes, mas não suficientes para a mudança. “Não conseguiremos transformar apenas com incentivo e formação, por que o sistema é excludente. É preciso mudar radicalmente o sistema político por meio de um processo social de mobilização e consciência muito fortes. Precisamos construir essa força com um levante popular.”, conclui Carmen.

A atividade promoveu um espaço de intercâmbio de vivências e reflexões sobre a importância da democracia para as mulheres ativistas de movimentos sociais e organizações populares envolvidas no Programa Doar para Transformar. As participantes partilharam iniciativas que fomentam e apoiam uma maior participação de mulheres negras, populares, trans, com deficiência nos espaços de poder e decisão; demarcaram sobre que tipo de democracia se quer para o país, e reiteraram o princípio vivo na luta sankofa, de aprender com o passado para viver bem do presente e construir um futuro mais justo.