Encontro Nacional de Mulheres Negras registra momento histórico após 30 anos

Cerca de mil ativistas de movimentos de mulheres negras se reuniram, entre os dias 06 e 09 de dezembro, em Goiânia (GO), para o Encontro Nacional de Mulheres Negras 30 Anos: contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver – Mulheres Negras Movem o Brasil.

Realizado pela 1ª vez em 1988, em Valença (RJ), esta edição do Encontro engendra mais um momento histórico na trajetória dos movimentos de mulheres negras no Brasil, atraindo ativistas do campo e da cidade, das periferias, quilombolas, religiosas de matriz africana, trabalhadoras domésticas, jovens e de todas as idades.

“Chegar 30 anos depois e poder celebrar com um encontro de mulheres negras no coração do país, no centro-oeste, é dignificante”, avalia Iêda Leal, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado e uma das coordenadoras do Encontro Nacional.  “Nós viemos aqui reafirmar aquilo que Lélia [Gonzáles], Beatriz [Nascimento] já falaram muito, que é sobre a nossa responsabilidade com o outro. Nós vamos continuar reafirmando a nossa responsabilidade com o outro e o cuidado, o cuidado que nós precisamos ter umas com as outras. Nós não precisamos andar sozinhas. Nós temos que andar juntas, o coletivo é fundamental”, ponderou.

Mesas de diálogo

O evento congregou diversas atividades, como mesas de diálogos, espaço de saúde e feira de empreendedorismo. A Feira de Arte e Cultura Negra Luiza Mahim contou com 55 expositoras de diversos lugares do país, incluindo empreendedoras quilombolas.

No sábado (08) de manhã, a Mesa de Diálogo “Corpos e territórios sob ataques – reações e visões de enfrentamento ao racismo, à violência e pelo bem viver: jovens, LBT´S, quilombolas, religiões de matriz africana, encarceradas, mães e familiares de vítima” reuniu mulheres negras de diversos extratos sociais para abordarem as violações de direitos que vivenciam em suas trajetórias.

Do Rio de Janeiro, Mônica Cunha representou as mães e familiares de jovens assassinados. “Eu achava que só ia chorar de dor quando o Estado tirou meu filho há 12 anos. O Estado só não imaginava que a dor ia virar luta”, determina a mãe de Rafael Cunha. Prosseguiu, refletindo sobre a importância histórica do evento. “A abolição está sendo feita a partir do reconhecimento de nossas histórias. Daqui 30 anos, quem estiver aqui não estará colocando estatísticas de assassinatos”.  E convocou o público, bradando: “Marielle , presente! Rafael Cunha, presente”, seguida de saudações de “axé” vindas da plateia..

“Não quero que outras adolescentes passem o que já passei. Gente, vamos nos unir! Se uma sobe, levanta a outra. Hoje, saí da rua e sabe como sou feliz? Encontrando companheiras negras que se apoiam, como aqui hoje. E eu devo tudo a Maria Lúcia, coordenadora do Movimento de População de Rua”, emociona-se Sheila Maloca, do Movimento de População de Rua e da Renfa -Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, também ovacionada pelo público, que rememorou a memória de sua mãe, a ativista dos direitos de pessoas em situação de rua,  Maria Lúcia Pereira, falecida no início de 2018.

Abordando o campo de intolerância religiosa, Ângela Gomes abordou em sua fala como, sem as religiões africanas, o Brasil não existiria e aponta as perseguições que vem sendo executadas contra elas. “Esses anos de terrorismo aos terreiros são uma vergonha. Igualdade de direitos, amor, afeto e respeito são visões éticas que deveriam passar por todas as religiões”.

A programação seguiu na tarde de sábado (8), com a Mesa de Diálogo “Fortalecimento da luta das mulheres negras: perspectivas e desafios à luz de conjunturas globais”. Para Flávia Oliveira, jornalista do jornal “O Globo”, o cenário é muito turvo. Flexibilização do mercado de trabalho, militarização, agenda de corte de ministérios foram apontados como componentes já anunciados da agenda do presidente eleito. Olhando para o futuro, Flávia Oliveira projeta que as mulheres negras serão as mais afetadas pelas políticas públicas que serão implementadas nos próximos anos. Mas também colona na balança a importância e o simbolismo da força de mulheres negras, que por meio de suas pressões foram decisivas para a implementação de políticas públicas importantes como a Farmácia Popular, Bolsa Família. “Temos ancestralidade para nos aquilombarmos, financiar nossas irmãs, transferir dinheiro entre nós, construir nossas redes comunitárias”, aponta a jornalista.

Realização

 O Encontro é organizado por entidades do movimento de mulheres negras, com parceria da CESE, Fundo Elas, MPT e ONU Mulheres. sobre o apoio da CESE, Iêda Leal, uma das coordenadoras do Encontro Nacional, destaca que foi fundamental. “Porque ela teve um olhar e acreditou nesse projeto, um projeto que nasceu em março no Fórum Social Mundial, quando tivemos condições de dialogar com algumas instituições sérias desse pais que entenderam que esse era um momento de apostar nessa reorganização das mulheres negras”.