Energia renovável sim, mas não assim: o conflito eólico na Paraíba

Cerca de 5 mil mulheres marcharam pela cidade de Montadas (PB), na região da Borborema, em março de 2023, com objetivo de dar visibilidade aos danos que a construção de um parque eólico pode conferir aos territórios, ao ambiente, à saúde, ao futuro da agricultura familiar. Foi a 14ª edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia. A ação recebeu apoio da CESE, via Programa de Pequenos Projetos.

A chegada desses complexos é uma das maiores ameaças ao projeto de desenvolvimento local construído há 30 anos na região da Borborema, hoje um território que tem a agroecologia em suas raízes mais profundas. São12 feiras agroecológicas, cinco quitandas – espaços de venda de produtos da agricultura familiar. O conjunto dessas iniciativas vem gerando renda, autonomia para mulheres e jovens, e profundas transformações nas condições materiais e na segurança e soberania alimentar das famílias.

A realidade por trás de parques eólicos vai muito além dos discursos de energia limpa e desenvolvimento propagados por empresários do ramo e até pelo senso comum. Desorganização de modos de vida tradicionais, contratos abusivos, desmatamento, doenças mentais e de pele. Todas são consequências apontadas por pequenas famílias agricultoras após a chegada desses empreendimentos na região.

“Esses grandes empreendimentos necessitam de vastas áreas de terra, estradas largas. Nossas terras são pequenas, de 0 a 10 hectares. Se perdemos essas terras, o que fica para nossos jovens? Para a produção de alimento que é importante não só para a soberania alimentar de quem mora nas comunidades, mas também da cidade, para o enfrentameto à fome?”, contesta Roselita Vitor, coordenadora do Polo da Borborema, uma das articulações que organizam a marcha.

Segundo Roselita, pessoas da comunidade que já negociaram com as empresas foram surpreendidas por cláusulas abusivas em que eram proibidas até mesmo de falar com seus vizinhos sobre o que foi tratado nas negociações. “São abordados de forma individualizada, com contratos automaticamente renováveis por décadas”, pontua.

Durante a Marcha, foi produzido o documentário “Mulheres em defesa do território: Borborema Agroecológica não é lugar de parque eólico”, que retrata os impactos dos aerogeradores na vida das comunidades – o barulho que nunca cessa, o pó solto pelas hélices e que causa problemas de pele, ansiedade, o risco de descargas elétricas – e também retrata a forma como as famílias são abordadas pelas empresas.

“Hoje muitas populações no semiárido tem vivido problemas graves de saúde. Pessoas que tiveram que sair do seu lugar, perder sua identidade de agricultor e agricultora para ir morar na cidade porque não consegue conviver com uma torre eólica que muitas vezes não é nem na sua propriedade, é do vizinho”, complementa Roselita.

Ela explica que a luta dos agricultores e agricultoras do Polo da Borborema é por um projeto de energia renovável descentralizado. “Queremos que cada família agricultora tenha uma placa solar que produza a sua energia, consuma o que ela precisa e possa vender o excedente, sem ter que desorganizar os nossos territórios, nossos modos de vida nossas formas viver e celebrar onde a gente mora”, conclui.

Este ano, a 15ª Marcha acontecerá no dia 15 de março, em Areial (PB), e trará o tema “Caatinga Viva, Floresta em Pé”. “Entendemos a importância da Amazônia, mas nós queremos reafirmar o papel do nosso território enquanto lugar de vida, de promoção de saber. E este também é um debate sobre racismo ambiental, pois são as populações negras e vítimas históricas da desigualdade as maiores vítimas desses empreendimentos de produção energética.