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Por Andres Pasquis

“Foi muito triste, na verdade, ver o desespero, tanto nosso, como adultos, quanto o das crianças, porque (o fogo) ia queimar casa, matou galinha e tantos bichinhos do mato. Queimou nossa Reserva, queimou semente, queimou os buritis que usamos para fazer artesanato, então ficamos praticamente sem uma forma para trabalhar. (…) É uma coisa nossa e é muito triste ver sendo destruída” contou ainda abalada meses após as queimadas, Josineide Mendes Surubi, vice-presidente da Associação Niorsh Haukina (Semente Tradicional) e artesã Chiquitana.

Em setembro de 2019, uma terrível queimada destruiu 80% dos 43.000 hectares da Terra Indígena Chiquitana ‘Portal do Encantado’, situada na região sudeste de Mato Grosso, na fronteira Brasil – Bolívia, a 600 quilômetros da capital, Cuiabá. O território abriga as aldeias indígenas de Acorizal e Fazendinha, lar de mais de 100 famílias. O fogo, que segundo o ex-cacique, José Surubi, foi provocado perto do município de Pontes e Lacerda – MT, devorou quase tudo em sua passagem: floresta, animais, roçados, hortas, nascentes, destruindo até barracos e afetando a rede de abastecimento de água. Mulheres e homens, pegos de surpresa, travaram uma luta de dois dias e uma noite para proteger as casas. Apesar dos esforços, o antigo lar do cacique José de Arruda Mendes virou cinzas. “Veio de uns grileiros do outro lado da serra e trouxe um prejuízo grande para nós, veio arrasando todas nossas plantações e quase queima as casas onde moramos com as famílias, isso é muito perigoso”, lamentou.

Além da destruição, o fogo também impactou os meios de subsistência do povo Chiquitano, cuja alimentação depende dos cultivos, das roças, do paiol e da caça. Por outro lado, o artesanato, principal atividade comercial, tem como base os frutos, sementes e animais da floresta. Sem eles, as moradoras e moradores do Portal do Encantado entraram em penúria de alimentos e trabalho. Essa situação afetou gravemente o moral e a autoestima de toda a população, como explicou o professor Benedito Santana de Campos.

A longa luta pela sobrevivência e o reconhecimento

Benedito explicou que o fogo é um inimigo cruel e implacável e que a história dos Chiquitanos sempre foi de resistência. O povo nativo já vivia na região antes da criação das fronteiras Brasil – Bolívia, no final dos anos 1800, e foi por causa dessa delimitação que eles perderam todos os seus direitos, sendo invisibilizados e quase exterminados. Nesses anos conturbados, eles foram mortos, escravizados e utilizados como “bucha de canhão” em diversas guerras. Acompanhando o extermínio humano e material, a cultura e idioma também foram praticamente erradicados.

Mas as perseguições não pararam aí. No final do século XX, os Chiquitano foram continuamente expulsos de suas terras com o pretexto de que não tinham documentos de propriedade. Forçados a migrar, eles eram expulsos novamente e assim por diante, perdendo cada vez mais a cultura e tradições ligadas à terra.

Foi só com a Constituição Federal de 1988 que perceberam que podiam e deviam se assumir como povo nativo com seus devidos direitos. No final dos anos 90, a construção do gasoduto que iria da Bolívia até Mato Grosso forçou a demarcação das terras tradicionais nativas Chiquitanas. Assim, a Fundação Nacional do Índio – Funai iniciou a identificação e delimitação da Terra Indígena Portal do Encantado em 1998. Atualmente, a terra indígena que já foi identificada em 2005 e declarada em 2011, ainda está no processo final, a homologação.

Em 2019, o Brasil registrou quase 200 mil focos de calor, entre janeiro e dezembro, de acordo com dados Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Mato Grosso é o campeão, com mais de 31 mil focos no período, seguido pelos estados do Pará, Maranhão e Tocantins. Neste cenário, as Terras Indígenas foram a segunda categoria fundiária mais afetada, totalizando cerca de 20% das ocorrências.

Um toque de esperança

Juntando forças para enfrentar a calamidade, uma das 2 aldeias do território, a aldeia Acorizal, através da organização Niorsh Haukina, elaborou e propôs um projeto para o edital de ajuda humanitária emergencial de apoio a povos indígenas, comunidades tradicionais e famílias camponesas do cerrado afetadas pelos incêndios, fruto de uma parceria entre a Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE e a Agência de Cooperação Internacional Heks/Eper.

Os recursos aprovados já ajudaram na reparação de vários danos causados pelo fogo. Além disso, possibilitou a organização de oficinas de capacitação para mulheres e juventude, de aproveitamento e artesanato das frutas e sementes crioulas da região. “As coisas já estão melhorando e temos esperança de que continuem assim. Já estamos até planejando participar de feiras e outras oficinas”, afirmou, sorrindo, Alessandra Mendes Leite, liderança da aldeia Acorizal e coordenadora do projeto.

Associação Niorsch Haukina (Semente Crioula)

Criada em abril 2009, a associação Chiquitana sem fins lucrativos tem como objetivo trabalhar com agricultura tradicional, sementes crioulas, cultura, educação, esporte e lazer. Assim, acolhe homens e mulheres, jovens e anciões, no fortalecimento do seu povo, inclusive elaborando projetos para capacitações e formações.

A HEKS/EPER

Agência de Cooperação Internacional, com sede na cidade de Zurique, com escritório de representação no Brasil onde apoia projetos com ações e iniciativas que promovem o desenvolvimento de comunidades rurais e a transformação de conflitos com a promoção da cultura da paz.

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