Manifesto do Núcleo de Monitoramento dos Direitos Humanos na Bahia no Contexto da COVID-19 - CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço" /> Manifesto do Núcleo de Monitoramento dos Direitos Humanos na Bahia no Contexto da COVID-19 - CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço" />

Na ocasião do dia Universal dos Direitos Humanos, dia 10 de dezembro, a Vida Brasil, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), o Odara Instituto da Mulher Negra, o Centro de Arte e Meio Ambiente (CAMA), a Comissão Pastoral da Terra (CPT-BA), o Grupo de Apoio à Prevenção a AIDS na Bahia (GAPA-BA), a União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro), o Grupo Tortura Nunca Mais, o Instituto Cultural Beneficente Steve Biko e o Serviço de Apoio Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (SAJU – UFBA), organizações que compõe o Núcleo de Monitoramento dos Direitos Humanos no contexto da Covid-19 na Bahia, vem manifestar nossa profunda preocupação com a recrudescência da violação de direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais de grupos de cidadãos e cidadãs no estado da Bahia, no contexto da pandemia da COVID-19.

O período da pandemia traz como consequência o agravamento do quadro de defesa dos direitos humanos no mundo, no Brasil e na Bahia, e incide no aumento das desigualdades. As consequências mais graves desta crise se abatem sobre as comunidades, grupos e populações historicamente mais vulnerabilizadas, destacadamente populações negras, indígenas, tradicionais, LGBTQIA+, etc.

O contexto de crise sanitária está sendo aproveitado por agentes públicos e do poder econômico para intensificar intervenções que violam os direitos humanos e ambientais de diversos grupos, impactando no distanciamento do Bem Viver de toda sociedade.

Dentre os autores dessas violações constam o governo do estado e o sistema judiciário da Bahia, empresas de mineração e petroquímicas, ou ainda, a Marinha do Brasil, entre outras instituições, como mostram alguns casos significativos deste triste quadro:

• Nordeste da Amaralina (Salvador – Ba): uma política de segurança pública instrumento do genocídio da população negra

Em nome do combate ao tráfico de drogas, o governo da Bahia dá seguimento a uma política de segurança pública que semeia o terror e atinge a dignidade e a liberdade das populações de bairros periféricos da capital baiana. Na madrugada do último dia 2 de dezembro, a comunidade do Nordeste de Amaralina foi surpreendida pela invasão truculenta da PM, que cercou e fechou o bairro, invadiu casas sem mandato, desapropriou casas de moradores, e assassinou pessoas. A notícia que circulava naquele dia para a população local era que a PM tinha entrado para matar. O clima de terror instaurado pelo Estado interferiu na paralisação das linhas de ônibus de três bairros (Nordeste, Vale das Pedrinhas e Santa Cruz) que compõe a Região Nordeste de Amaralina e dispõe de transporte coletivo para quase 50 mil moradores da região, composta em 85% por pessoas negras.

• Comunidade de Taquaril dos Fialhos (Licínio de Almeida – Ba): intimidação por uma empresa de mineração

Comunidade com cerca de 32 famílias, localizada no sudoeste da Bahia, mais precisamente na Serra do Salto, que enfrenta um processo de resistência a empresas mineradoras desde 2018. A região possui suma importância na distribuição de água para vários municípios. Há um processo de pesquisa em curso e a mineradora Vale do Paramirim vem provocando assédio na comunidade para concluir a pesquisa que haviam iniciado. No período da pandemia, inclusive nos momentos de maior orientação de isolamento social, muitas pessoas visitaram e ainda estão visitando a comunidade, aumentando o risco sanitário na comunidade e provocando outros tipos de violências.

• Ilha de Maré: Racismo ambiental e contaminação da população por indústrias petroquímicas

As comunidades pesqueiras e quilombolas da ilha estão sofrendo com o grande nível de contaminação da Baía de Todos os Santos e a Baía de Aratu. Ilha de Maré e as comunidades do entorno, que são em maioria quilombolas e pesqueiras, estão sendo sacrificadas em nome do desenvolvimento. As comunidades enfrentam recorrentes violações de empresas como Dow Química, Odebrecht, Braskem, inclusive com exposição a materiais químicos cancerígenos.

• Povo Tuxá (Rodelas – Ba)

Os Tuxá foram o segundo povo indígena reconhecido pelo Estado brasileiro na Bahia e o terceiro no Nordeste, durante o século XX, e passou por uma série de violações de direitos constitucionais, fundamentais e consuetudinário. Foram impactados pelas obras da hidroelétrica de Itaparica a partir do ano de 1987, que fez com que esse povo saísse de parte de sua área tradicional para uma nova Rodelas. A comunidade Tuxá aguarda por mais de 30 anos pela indenização do seu território inundado e nos tempos atuais enfrenta uma luta, já há cerca de 10 anos, pelo reconhecimento e demarcação do seu território D’zorobabé, entendendo que nesse território se registra também a existência de artefatos e urnas funerárias pertencente a essa comunidade registrados inclusive pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), através da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), fato este ocorrido antes mesmo do enchimento do lago de Itaparica.

Diante da omissão da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) o Tribunal Regional Federal da 1º Região, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), determinou que a União desse andamento no processo de reconhecimento e demarcação do território tradicional Tuxá, iniciando-se uma das fases prevista no processo demarcatório regulado através do decreto 1775/96, o trabalho de campo do grupo técnico da FUNAI.

Logo depois a comunidade foi surpreendida por uma liminar de reintegração de posse expedida por um juiz estadual da comarca de Chorrochó (BA) no ano de 2018, sem a garantia de ampla defesa decidindo o destino de mais de 420 famílias indígenas. Em 2019, os desembargadores apreciaram o agravo impetrado no Tribunal Estadual de Justiça da Bahia decidindo que a matéria é de competência da justiça federal remetendo os autos para essa instância superior. Infelizmente no ano de 2020 o juízo federal decidiu contrário ao direito tradicional do povo Tuxá e atualmente o processo se encontra suspenso temporariamente, em razão da decisão emitida pelo Ministro do STF Edson Fachin em 06/05/2020, Recurso Extraordinário 1.017.365, que determina a suspensão nacional dos processos de reintegração de posse e de anulação de demarcação de terras indígenas, até o término da pandemia da COVID-19 ou do julgamento final do RE 1.017.365, o que ocorrer por último.

• Caatinga e Cerrado, biomas predominantes no sertão semiárido baiano, atingidos pela ação criminosa de empresas de mineração, energia, hidro e agronegócio

Empresas de mineração, energia, hidro e agronegócio, violam os Direitos Humanos e os Direitos da Mãe Terra, agravando os efeitos do aquecimento global, especialmente na Caatinga e no Cerrado, biomas predominantes no sertão semiárido. Um caso emblemático é a retomada da produção de urânio no município de Caetité, sem nenhum diálogo com as populações locais, universidades ou movimentos sociais ambientalistas e da região. A ação vai trazer novos prejuízos já comprovados contra saúde da população local, além de ir na contramão das políticas de promoção de energias limpas, renováveis e seguras. Essa intervenção criminosa vem sendo acompanhada e ampliada pela ação de outras estatais, empresas privadas como a Bamin (mineração de ferro, com impactos atingindo outros municípios como Pindaí e Guanambi) e privado-estatal como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL).

• Quilombo Rio dos Macacos (Simões Filho – Ba)

Em maio deste ano o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) publicou a titulação de parte do território do Quilombo do Rio dos Macacos, localizado no município de Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador (BA). A demarcação, que aconteceu no período da pandemia não veio de forma integral e não corrigiu as violações de direito no acesso à agua, alimentação, sistema de saúde, direito de ir e vir – atacados sobretudo pela Marinha do Brasil e o governo do estado da Bahia. Nos anos que correram até o reconhecimento da comunidade, os moradores foram duramente torturados e algumas lideranças inclusive foram assassinadas. Além disso, desde o início da crise sanitária a situação do adoecimento da covid-19 e o não acesso aos cuidados médicos necessários, alimentação e água encanada fragilizam ainda mais a situação da comunidade.

Os casos citados não são isolados, a população negra, indígena e pobre das áreas urbanas e rurais da Bahia estão vivendo cotidianamente situações de violações de Direitos Humanos. Nós, do Núcleo de Monitoramento dos Direitos Humanos no Contexto da Covid-19 na Bahia, exigimos dos poderes públicos e orientamos os organismos de direitos humanos a estarem atentos e disponíveis a estas comunidades.