Mulheres do nordeste se reúnem em Salvador para formação sobre mobilização de recursos locais

Rifa, sorteio, feijoada, bingo, leilão, doação, brigadeiro… são inúmeras as formas que as organizações e os movimentos sociais encontram para arrecadar recursos e realizar suas ações. A criatividade e a disposição são os temperos para quem acorda todos os dias remando contra a maré e precisa arregaçar as mangas para transformar a realidade em que vive. Dentro e fora das organizações, são as mulheres que majoritariamente estão nessa frente de batalha, lutando dia a dia contra o machismo e unindo forças para garantir o sustento da casa e a sustentabilidade dos movimentos que compõem. E se essas iniciativas pudessem ser sistematizadas e novas estratégias pudessem ser ensinadas para fortalecer esse trabalho? E se essas mulheres pudessem se reunir para compartilhar suas experiências?

Essa é a proposta da formação sobre Mobilização de Recursos Locais realizada pela CESE entre os dias 25 e 28 de abril em Salvador. Cerca de 25 companheiras de 15 organizações de mulheres do Nordeste estiveram presentes no curso, que busca apresentar novas ferramentas para gestão e mobilização de recursos e promover a partilha de experiências. A iniciativa integra o “Programa Doar para Transformar” (Giving for Change), que a CESE desenvolve entre 2021 e 2025 com o objetivo de fortalecer a influência dos movimentos sociais nas relações de poder entre Norte e Sul Global no âmbito da defesa de direitos. E também compõe a metodologia do “Virando o Jogo”, programa implementado no Brasil pela CESE e que prevê a realização de formações relacionadas à mobilização de recursos e incidência política.

“Ô abre alas, que as mulheres vão passar

Com essa marcha muita coisa vai mudar

Nosso lugar não é no forno ou no fogão

A nossa chama é o fogo da revolução!”

Mulheres negras, indígenas, quebradeiras de coco, jovens, LGBTQIA+, pescadoras, artesãs, camponesas – são muitas as origens e as realidades das companheiras que fizeram parte da turma. Oriundas de oito estados do Nordeste, a escolha da CESE em fazer o curso voltado para mulheres dessa região não foi por acaso. “As mulheres dos setores populares, as mulheres negras, periféricas têm diversos direitos violados de maneira muito grave. Então nós pensamos em convidar organizações de mulheres do Nordeste, uma região fortemente impactada pelas desigualdades, justamente para fortalecer as capacidades dessas organizações”, explica Viviane Hermida, assessora de projetos e formação da CESE. “A gente busca sistematizar e dar mais visibilidade às contribuições que as mulheres já têm para todas as lutas em defesa dos direitos e democracia no Brasil”, completa.

Érika Farias é uma das representantes do coletivo Vozes Marias, uma organização feminista de Pernambuco que entende o cristianismo como parte importante da vida das mulheres. Para ela, um dos pontos fortes do curso é que ele ajuda na compreensão do trabalho que elas mesmas já fazem na sua comunidade. “A gente entendeu o nosso potencial, o quanto a gente já tem feito, o quanto de trabalho a gente vem promovendo. Temos potencial para fazer esse recurso girar, fazer esse recurso acontecer”, salienta.

Viviane afirma que essa mudança de perspectiva é também um dos objetivos da formação. “Eu acho que o curso é um ‘se olhar no espelho’, como pessoa e também como organização. Dentro desse campo de organização de mulheres, já temos uma série de práticas, muitos recursos circulam por força das mulheres, seja por força das articulações, dos conhecimentos, das parcerias ou das ações pra levantar recursos financeiros. Só que isso é visto muitas vezes como algo muito informal dentro das organizações, algo que embora pese muito, não existe uma visão estratégica de como incorporar essas práticas. Então quando as organizações chegam no curso, elas percebem que existem muitas outras possibilidades”, aponta.

“Companheira me ajude

Que eu não posso andar só

Eu sozinha ando bem

Mas com você ando melhor”

Outro papel fundamental da formação é incentivar a troca de experiências entre as participantes, que, mesmo tendo diferentes trajetórias, compartilham de muitos desafios em comum – enfrentar o machismo, o racismo e a exploração de classe, por exemplo, são apenas alguns deles. Para Elis Lages, da Rede de Mulheres Negras Evangélicas, conhecer as diferentes experiências das mulheres ajuda a pensar nas próprias questões que sua organização enfrenta. “Esse curso é muito bom pra gente entender outras realidades também, e nos ajudar a entender como a gente pode agir em diferentes situações. Ter contato com as mulheres quebradeiras de coco, mulheres pescadoras, são realidades totalmente diferentes, que quando você escuta a gente pensa, ‘nossa, a gente pode pegar isso e implementar naquela comunidade que a gente conhece, que a gente tem uma representante’. Então está sendo muito bom a troca com cada uma das mulheres, tá incrível”, destaca. 

Criada em 2018, a Rede de Mulheres Negras Evangélicas tem como principal bandeira a superação do racismo dentro e fora das igrejas. Passado o período crítico da pandemia, Elis explica que um dos desafios da organização agora é consolidar a presença da Rede nas cinco regiões do país para seguir nessa luta, e a formação vai ajudar muito nesse planejamento. “Esse curso ajuda a gente a pensar em como mobilizar todo tipo de recurso – tanto financeiro como humano – pra fortalecer as regionais, os territórios”, salienta.

Já Fátima Ferreira, coordenadora da Associação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), destaca a importância do curso na geração de renda das mulheres da organização. “Quando a mulher tem renda, muda tudo. Muda o dia a dia, muda a sabedoria, ela avança mais porque vê que está dando resultado, né?”, diz, sorridente. Fátima também ressalta o papel da formação no empoderamento e na autonomia das mulheres. “Nós, quebradeiras, quando saímos pra um curso, uma capacitação, é uma luz porque a gente tá se achando ali, a gente tá se organizando pra estar na base e fazer uma rifa, um leilão, pra dar um complemento no dia a dia. Quando a gente consegue um dinheirinho a mais dos produtos, a gente se sente mais empoderada, a gente pode sair com mais frequência pra visitar outros territórios, outros grupos, levar os produtos. Melhora a vida da mulher e do grupo”, aponta.

Doar para Transformar

O programa Doar para Transformar (Giving for Change) é uma iniciativa desenvolvida no Brasil pela CESE com o apoio da cooperação holandesa Wilde Ganzen, através do Ministério das Relações Exteriores. Além do nosso país, o programa envolve também outras sete nações do Sul Global – Burkina Faso, Etiópia, Gana, Quênia, Moçambique, Uganda e Palestina.

A partir do apoio a projetos, encontros de formação, ações de incidência política e campanhas, a iniciativa busca contribuir para a adoção de práticas mais equitativas nas relações entre Norte e Sul Global, inclusive a partir das ideias de mobilização de recursos nacionais e filantropia comunitária. Esse é o primeiro curso presencial sobre a temática da mobilização de recursos, que já se encontrou de forma remota em março e abril do ano passado.