O genocídio da juventude negra e o luto dessas mães

Agravamento da violência do Estado marcará o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial

O mês de março na Bahia começou com o assassinato de três jovens negros na comunidade pesqueira da Gamboa de Baixo (Salvador), numa ação trágica da Polícia Militar. Os jovens Patrick Souza Sapucaia (16 anos), Alexandre Santos dos Reis (20 anos) e Cleverson Guimarães (22 anos) foram sumariamente executados na madrugada do dia 1º.

Moradores que testemunharam a chacina relatam que os jovens não resistiram à prisão, nem trocaram tiros com a polícia. Em nota, a Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador denuncia que os corpos foram removidos após as execuções, o local adulterado e não havia sequer mandado de busca e apreensão. Tratou-se de um julgamento parcial, cujas consequências foram execuções arbitrárias.

O dia 21 de março é marcado por ser o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial. Desde 1966, esta é uma data de visibilidade da luta das populações negras em todo mundo, lembrando o trágico episódio de Sharpeville, na África do Sul, quando num protesto contra as leis de apartheid, 69 pessoas foram mortas e outras 186 ficaram feridas. A Organização das Nações Unidas instituiu esse dia para lembrar as lutas antirracistas e necessidade de ações para elimanação do racismo.

Violência do Estado – No final de 2021, a pesquisa “Pele Alvo: A cor da violência policial”, da Rede de Observatórios da Segurança, divulgou o alarmante dado de que 98% das mortes causadas pela Polícia Militar baiana são de pessoas negras. Em 2020, houve aumento de 21,08% de mortes por ações policiais em comparação a 2019: dos 787 mortos em operações policiais, 606 tiveram identificação de raça.

A gravidade do momento exige demais dos movimentos negros no Brasil. A ativista Mônica Oliveira, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, pontua que este também é um momento de incidir politicamente para evitar a instalação ampla das câmeras de reconhecimento facial, mais um potencial mecanismo de operacionalização do racismo. Outro estudo da Rede Observatórios da Segurança feito em 2019 apontou que 90,5% dos presos por monitoramento facial no Brasil são negros.

Mônica lembra que, se os jovens homens negros são mais frequentemente vitimados pela letalidade policial ou pela guerra ao tráfico, as mulheres negras são vítimas do mesmo racismo de modos distintos. “Houve aumento de 600% de prisões de mulheres em 14 anos, das quais 68% são negras. Seja no próprio corpo ou de seus familiares – são mortos ou presos seus filhos, seus pais, seus irmãos, seus companheiros – as mulheres negras são criminalizadas não somente por seus atos, mas também por suas relações”, relata.

Para Ana Caminha, 21 de março é uma data de conquista porque nela podemos chamar atenção para o crescimento da violência contra populações negras. “É dia de dar visibilidade às bandeiras. E nossas bandeiras são dignidade para a Gamboa, dignidade para as populações negras no Brasil. Nossa bandeira é moradia digna, é regularização fundiária para uma comunidade pesqueira. É dizer chega de matança das comunidades negras. Não é normal que tantos dos nossos morram pela violência”.

Mônica afirma que esta é uma data importante por conta de sua dimensão internacional de enfrentamento ao racismo. “Neste dia vamos demarcar que não haverá nenhum passo atrás. Não vamos abrir mão das nossas conquistas. Não vamos abrir mão das cotas. Não vamos abrir mão de ocupar espaços políticos, mesmo que se coloquem ameaças sobre as mulheres negras que estão em assentos políticos. A violência nos preocupa, mas não vamos retroceder”, afirma.

Compromisso da CESE – A CESE, organização ecumênica que atua na promoção, defesa e garantia de direitos, identifica e reconhece a existência do racismo individual, institucional e estrutural na construção histórica do Estado e da sociedade brasileira e que esse racismo é gerador de injustiças contra a população negra. Ao longo de uma trajetória de quase 50 anos, sempre apoiou movimentos, organizações e grupos populares da população negra, dando sua contribuição para fortalecer a luta antirracista no país. E compreendendo que é fundamental a práxis, a CESE reafirma a sua Política Institucional de Equidade Racial.

A CESE procura transversalizar a discussão de enfrentamento ao racismo e contribuir para o debate sobre esse tema em diferentes espaços e lutas. Recentemente, tem desenvolvido um trabalho com foco nos territórios do Cerrado brasileiro, realizando uma série de oficinas, formações e seminários dedicados a fortalecer as resistências e o enfrentamento às violências raciais e de gênero.