Participantes do FAMA compartilham boas práticas sobre a gestão da água

Brasília recebe, desde o dia 17 de março, o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA). O evento conta com mais de 6 mil participantes, representando povos indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, camponeses, moradores das periferias urbanas e trabalhadores contra a privatização da água do Brasil e de outros 30 países localizados em todos os continentes.

Somando esforços com a organização do evento, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) está organizando uma série de atividades na Tenda Inter-Religiosa, a única temática do evento e que está localizada no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidadeentrada A (lado oposto às bilheterias).

Quem passou pela Tenda hoje à tarde pôde conferir uma apresentação sobre boas práticas na gestão da água e experiências bem-sucedidas junto às comunidades do semiárido brasileiro. A atividade foi comandada pela Heks, entidade da igreja protestante suíça que apoia projetos sociais em dezenas de países.

The Swiss Blue Communities

A convidada Lisa Krebs apresentou o projeto The Swiss Blue Communities, que estabelece parcerias com cidades, igrejas, universidades, etc., para buscar alternativas no trato da água como bem comum. Uma vez estabelecidas essas parcerias, tais instituições se comprometem com práticas que reflitam o princípio de que água e saneamento são um direito humano.

Lisa falou sobre o processo de privatização da água em todo o mundo e, com dados, demostrou o quanto isso pode acarretar em prejuízos para a população. “Nos últimos anos centenas de cidades tentaram retomar para o controle dos municípios a gestão de seus recursos hídricos. Por si só, essa informação já é um indicativo de que algo errado pode estar ocorrendo”, disse.

Lagos, na Nigéria: uma história de luta pela água

Philip Jakpor, da Nigéria, falou da longa luta da população de Lagos, uma cidade à sudoeste do país, para ter acesso democrático à água. Segundo ele, até anos recentes quase todas as ruas da cidade tinham pelo menos duas torneiras com água potável para que famílias que não possuíssem água encanada pudessem retirar dessas bicas o necessário às suas necessidades.

O cenário começou a mudar em 2014, quando o governo local começou a estabelecer diálogos com o Banco Mundial no sentido de adotar “medidas que otimizassem a economia”. Aí começaram as tentativas de se privatizar a água. E a desculpa para a privatização não foi muito diferente da que os brasileiros estão acostumados a ouvir: “A iniciativa privada é mais eficiente”. A partir daí os políticos locais deixaram de ouvir a população para ouvir os executivos das grandes corporações e, naturalmente, a abordagem à água se tornou ostensivamente mercantil.

Como reação, a sociedade civil organizou comitês regionais em cada bairro para discutir o que poderia ser feito para conter a entrega da água a empresas que só queriam lucrar. Juntou-se nessa luta sindicatos, igrejas, associações muçulmanas e lideranças comunitárias que, juntos, exerceram muita pressão nos políticos, chamando inclusive atenção da imprensa internacional.

“O governo recuou, mas não desistiu da ideia. Abandonou o Banco Mundial, mas começou a trabalhar para criar leis que, na prática, iriam privatizar a água. Incluiu, para isso, artigos como ‘Para pegar água em um rio o cidadão terá de pagar’; ‘Fica proibida a doação de baldes de água de um vizinho para o outro’, entre outros disparates. Tivemos que voltar a nos mobilizar, recolher assinaturas, contatar parceiros em outros países para fazer o governo recuar novamente. Agora eles recuaram, mas estão com uma nova ideia… investir em infraestrutura no campo hídrico e, para isso, querem contar com apoio de empresas privadas. Tudo isso mostra que eles não desistem, mas nós também não podemos desistir”, disse Philip.

Cisternas, formação e conscientização no semiárido

Flavianeide Pereira, da Cáritas Brasileira, compartilhou um pouco a experiência dela junto à Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), uma rede formada por mil organizações da sociedade civil que atuam na gestão e no desenvolvimento de políticas de convivência com a região semiárida.

Nos anos 80, o discurso político era de que precisávamos combater a seca. E como isso era feito? Doando alimento para a população afetada e construindo açudes e barragens em propriedades privadas, o que tinha um efeito nulo para a população que mais precisava. Depois de um tempo, organizações começaram a discutir ações coletivas no sentido de realmente melhorar a qualidade de vida dos agricultores da região. Foi aí que surgiu a ASA. Além de construir cisternas e promover diversas outras tecnologias que ajudam a manter essas famílias com água boa por mais tempo, mesmo em meio à seca, nós também a ASA também trabalha a questão da formação e da conscientização. Isso possibilitou uma ampla troca de experiências entre agricultores, cada qual compartilhando com o outro técnicas bem-sucedidas de manejo, entre outros saberes. Como resultado, na última grande estiagem, 2012 a 2017, pouquíssimas famílias decidiram deixar suas terras” explicou.

Fonte: Conselho Nacional de Igrejas Cristãs