Programa de Pequenos Projetos: CESE apoia lançamento do Tribunal Popular da Economia do Mar no Grito da Pesca Artesanal

O Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais-MPP e o Conselho Pastoral dos Pescadores-CPP promoveram o Grito da Pesca Artesanal, entre os dias 21 a 24 de novembro de 2022, em Brasília. Na oportunidade, foi lançado o Tribunal Popular da Economia do Mar, iniciativa que objetivou mobilizar as comunidades tradicionais pesqueiras para debater e organizar ações de resistência frente aos impactos da Economia do Mar em territórios da pesca artesanal no Brasil. A CESE, através do Programa de Apoio a Pequenos Projetos, foi parceira dos movimentos para realização do evento e mobilização dos pescadores e pescadoras.

Inspirado na ação dos países do sul da Ásia (Sri Lanka, Bangladesh, Tailândia, Indonésia e Índia), o Tribunal Popular da Economia do Mar denuncia e faz resistência à instalação de grandes projetos portuários e do campo do turismo, que impactam de modo irreversível a atividade de pesca artesanal. No Brasil, o Tribunal chega com o objetivo de popularizar os significados do conceito de economia do mar, que se configura na mercantilização dos oceanos e dos territórios pesqueiros para atender a lógica do capital e dos estados que tencionam e criminalizam as comunidades. Dentro da lógica neoliberal, a economia do mar empurra as comunidades tradicionais e pesqueiras para fora dos seus territórios, privilegiando a instalação dos grandes projetos econômicos.

“O Tribunal Popular da Economia do Mar no Brasil é mais uma ferramenta de defesa pelo direito aos nossos territórios”, explica Martilene Rodrigues, coordenadora nacional do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais. Segundo ela, “a importância desse evento foi mostrar que esse conceito representa uma política de morte, que desconsidera totalmente os efeitos das mudanças climáticas, desrespeitam os direitos das comunidades de serem consultadas”. Em sua opinião, o grande capital não tem compromisso com os estudos de impactos ambientais, menos ainda com os diagnósticos que são apontados.

O processo de construção do tribunal teve início em 2021, na edição do Grito da Pesca daquele ano, e foi seguido de uma série de atividades como as formações de multiplicadores/as da maioria dos estados, as audiências regionais Sul/Sudeste, Norte e Nordeste. Nessas audiências foram identificados os principais casos de violações às comunidades, bem como as primeiras testemunhas entre pescadores e pescadoras. “O evento foi importante porque os pescadores e pescadoras tiveram oportunidades de trazer suas denúncias e a realidade de como eles/as e suas comunidades são impactadas”.

Martilene explica o processo de realização do Tribunal: “Tivemos o Conselho de Acusação, representado por regiões, e o Conselho de Sentença. O primeiro apresentou a síntese de cada regional, além de suas testemunhas e, ao final, a síntese geral de acusação e o veredito, apresentadas pelo Conselho de Sentença”.

Grito da Pesca Artesanal – Cerca de 400 pescadores e pescadoras de 15 estados brasileiros marcaram a presença no ato político, que trouxe em suas pautas a necessidade de uma regulamentação dos territórios pesqueiros, o resguardo de direitos básicos enquanto trabalhadores/as da pesca, a soberania alimentar, a falta de acesso à informação e estrutura para o processo de recadastramento enquanto trabalhadores/as regulamentados/as junto à nação.

O projeto apresentado à CESE pelo MPP promoveu a mobilização dos pescadores e pescadoras de três estados brasileiros além de representações nacionais do movimento para participarem do Tribunal Popular da Economia do Mar no Brasil e fortalecer a articulação.

Sobre a parceria, a coordenação destaca a relação de cooperação de longa data entre CESE e Movimento Pesqueiro. “A CESE tem nos apoiado fazendo ser possível a gente chegar em várias comunidades pesqueiras no Brasil. Temos uma parceria de diálogos construtivos, compreensível, e queremos cada vez mais que a CESE caminhe junto conosco”, afirma a coordenadora.

O evento contou com a participação de pescadores e pescadoras de 16 estados brasileiros, do Norte ao Sudeste, além de pesquisadores/a, parceiros/as e atores sociais comprometidos com a causa. Dado ao conjunto de denúncias apresentado, o Tribunal Popular da Economia do Mar foi declarado permanente, permitindo maiores condições de encaminhamento e enfrentamento aos problemas.

A mobilização é muito importante neste contexto como uma resposta aos grandes projetos do capital, impostos sobre as populações sem consulta. “As comunidades pesqueiras, como outras comunidades tradicionais, estão passando por retirada de direitos, perdas, perda de território, ameaças, conflitos. Diante disso, a mobilização, a luta coletiva se faz muito presente e necessária”, acrescentou Maria Celeste Souza, integrante da coordenação do Movimento Nacional de Pescadores e Pescadoras Artesanais e do Conselho Pastoral dos Pescadores-CPP – Piauí/Ceará.

O Grito da Pesca e o Tribunal se configuraram como estratégias de visibilidade desse momento delicado enfrentado pelas comunidades pesqueiras e violações de direitos existentes nos territórios. “Para nós tem grande importância dar visibilidade numa escala bem maior e mobilizar diversos/as pesquisadores/as e atores sociais em defesa das comunidades”, disse a pescadora.

Territórios Pesqueiros – O contexto dos pescadores e pescadoras artesanais no Brasil e, especificamente, no Nordeste brasileiro, é extremamente desafiante. De acordo com Martilene, o segmento enfrenta “a perda dos nossos territórios com o avanço dos megas projetos que estão chegando nas comunidades pela ‘Economia Azul’ ou ‘do Mar’”. Além disso, dificuldades burocráticas para o recadastramento e documentação. A liderança recorda que ainda sofre com os impactos do derramamento de óleo no litoral do Nordeste brasileiro em 2019, somado aos efeitos gerados pela pandemia: “essas duas situações impactaram, principalmente, a vida das mulheres. Até hoje não sabemos quem causou o crime ambiental. Por falta de estudos, não sabemos como estará nossa saúde no futuro com o consumo de pescado e o uso das águas, que foram afetadas pelo petróleo”.

Maria Celeste explica que “a maior parte das comunidades pesqueiras estão localizadas na Região Nordeste, passando por várias situações de violações de direito, conflitos, perda de território, diminuição da pesca, ameaças para serem retiradas do território e a especulação do petróleo. As comunidades pesqueiras do Nordeste têm uma abundância muito grande: uma biodiversidade de pescado, de crustáceos, caranguejos, moluscos”.

“A questão das parcerias é também importante para que o movimento e o conselho pastoral, em nível estadual ou nacional, continuem perpetuando essa luta sendo resistência, incidência, ajudando realmente quem mais precisa em fazer frente a esses grandes desafios.  A parceria com organizações como a CESE é necessária, porque estamos diante de uma instituição que tem uma sensibilidade enorme e um histórico de luta para juntos/as construirmos um mundo melhor e mais justo”, conclui a liderança.