Resistência das feministas negras e populares

ebates políticos e teóricos bastante difundidos no Brasil em geral enxergam o feminismo como um movimento composto por mulheres de classe média, brancas e com formação universitária. Por perceber outra realidade, a CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço) e o SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, promoveram um debate sobre a resistência das mulheres e, na ocasião, lançaram duas publicações que dão visibilidade à luta das mulheres negras das classes populares, que estavam no feminismo desde o início, organicamente vinculadas e auto-identificadas como feministas, mas que, ao longo dos últimos quarenta anos, foram invisibilizadas pela a leitura que se fazia do movimento feminista.

No livro Feminismo Popular e lutas antissistêmicas a autora Carmen Silva descreve como a mídia composta por jornais e revistas de grande circulação acentuava, há seis anos, o fim do feminismo, que já não seria necessário frente às conquistas realizadas pelas mulheres. Também se dizia que as mulheres, especialmente as mais pobres, desejam não ter que trabalhar fora de casa, para serem mães mais tranquilas, e que toda esta ideia de trabalhar fora teria sido imposta pelas reivindicações feministas. A partir de sua vivência como integrante do movimento feminista, a educadora afirma seu espanto diante deste “mundo das mulheres” veiculado na mídia, por conviver com muitas para as quais o trabalho com rendimentos não apenas era desejado como imprescindível para o sustento, e realizado com a sobrecarga das tarefas domésticas, não valorizadas socialmente e não remuneradas.

Apesar de todas essas dificuldades políticas que enfrentam, o movimento de mulheres negras e de setores populares cresceu e se tornou mais visível. Em 2015, grandes mobilizações de mulheres ocorreram em Brasília: Marcha das Margaridas, com mais de 70 mil, e a Marcha das Mulheres Negras, que reuniu mais de 30 mil. Estas manifestações demonstraram a força destas mulheres unidas em resistência não apenas para a população brasileira, mas principalmente para o próprio movimento.

Mulheres Negras e Populares: experiências que se entrelaçam é uma publicação que sistematiza as vivências com mais de 82 organizações de mulheres negras e de setores populares do Norte e Nordeste que nos últimos três anos participaram da Ação que deu apoio a diversas estratégias desenvolvidas e propostas pelas próprias mulheres das organizações apoiadas. A publicação documenta várias organizações que foram criadas ou fortalecidas nesse período: tanto articulações locais, como a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e a Rede de Mulheres Negras do Rio Grande do Norte; como também redes regionais, como a Rede de Mulheres Negras do Nordeste e a Rede Fulanas, que reúne várias organizações da região norte. Para uma das coordenadoras do projeto, Silvia Camurça (SOS Corpo), a auto-organização é o que de mais radical as mulheres podem fazer para enfrentar tudo aquilo que as oprime e explora.

O lançamento dos livros foi realizado na Universidade Federal do Pará, em Belém, no auditório A, no Centro de Educação. As convidadas Carmen Silva, do SOS Corpo, Rosana Fernandes, da CESE, e Maria Malcher, da Rede Fulanas conversam com o público sobre o fortalecimento do movimento negro e popular organizado e liderado por mulheres e suas histórias de resistência.