Demora na demarcação acirra conflito com Tupinambás

Desde quando teve início o processo de identificação da Terra Indígena Tupinambá, no  Sul da Bahia, em 2005, o governo brasileiro teve uma trajetória oscilante, o que vem contribuindo para o agravamento da violência na região. Não se pode desconsiderar, por outro lado, a complexidade do problema face à injunção de outros poderes, onde se destaca a predominância conservadora do Congresso Nacional e os recursos junto ao Judiciário num contexto de evidente conflito socioambiental e de criminalização das populações tradicionais.

O fato é que o Estado brasileiro não vem cumprindo a Constituição Federal, que determina que a União deveria ter concluído a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir de 1988. Ao não cumprir suas atribuições legais, o Estado brasileiro favorece o agravamento das tensões nesta e em muitas outras regiões do país, devendo ser responsabilizado pelas violações aos direitos humanos em curso.

Em abril de 2009, finalmente a FUNAI aprovou o relatório circunstanciado que delimitou a Terra Indígena em porções que se localizam nos municípios de Buerarema, Una e Ilhéus (distrito de Olivença). Até então, havia menos preconceito contra os Tupinambá que, como é muito comum nestas relações de subordinação, seriam tolerados na medida em que permanecessem passivos quanto aos seus direitos em relação à terra.

Os cerca de 6 mil Tupinambá estão organizados em 35 comunidades, segundo órgãos oficiais, e vivem distribuídos pelos 47.376 hectares identificados.  Ainda que o pleito original fosse muito maior, as negociações pareciam indicar que esta delimitação territorial poderia resultar numa conquista efetiva, mais rápida e menos conflituosa. Contudo, segundo um dos caciques do povo, Ramon Souza Santos, depois da publicação do relatório de identificação da terra no dia 17 de abril de 2009, os Tupinambá passaram a sofrer todo tipo de ameaças e agressões das elites políticas e econômicas de sul da Bahia.

Em nota distribuída no final do ano passado, a CNBB Regional Nordeste 3, lembrava que o relatório circunstanciado foi encaminhado ao Ministério da Justiça para o ato seguinte do procedimento, mas até hoje, ultrapassado longamente o prazo de 30 dias, determinado pelo decreto 1775/96, aguarda-se a posição do Ministro da Justiça para expedição da Portaria Declaratória.

Esta indefinição só pode interessar àqueles que já perceberam um desfecho não favorável e optam pela violência e o terror como estratégia para reverter instâncias finais de decisão, sacrificando vidas e as possibilidades de uma convivência respeitosa com a sociedade envolvente, estimulando ódios e preconceitos. A tática das retomadas praticada pelos indígenas em todo o país se assemelha às ocupações realizadas pelos sem-terra – são iniciativas legítimas em áreas litigiosas, como mecanismo para agilizar processos de regularização que ainda assim, se arrastam por anos e, certamente, nunca ocorreriam não fosse pela pressão.

A morte no dia 10 de fevereiro do trabalhador rural Juraci Santana que vivia no assentamento Ipiranga, no município de UNA foi mais uma tragédia a lamentar e condenar. Funcionou como um estopim de acirramento dos conflitos e combustível para instigar pobres contra pobres, enquanto em Brasília se negociava medidas positivas de distensão. No calor do lamento de mais uma vida que se vai, impressiona a indiferença pelo assassinato de 7 indígenas e uma dezena de casas incendiadas nos últimos meses – é a banalização da violência invisibilizada nos noticiários e nas prioridades de investigação por parte por parte da polícia.

A presença da Força Nacional na região, mais especificamente na Serra do Padeiro, sob a aparência pacificadora, estava de fato garantindo as ações de reintegração de posse interposta pelos fazendeiros nas áreas que, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), constituem fazendas que se encontram no interior da Terra Indígena Tupinambá. Foi a ação articulada entre organizações da sociedade civil, entre as quais o Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia, através do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos com alguns órgãos do governo federal e o MPF que conseguiram sustar as ações de reintegração e a retirada da Força Nacional que estava realizando operação militar de controle e cerceamento sobre as aldeias indígenas. Não foi a saída da Força Nacional que provocou a morte de Juraci e sim o manipulação desta conquista, para justificar mais repressão. Até aqui, os indígenas juntaram mais de 500 cápsulas disparadas a esmo por esta guarnição.

Fala-se genericamente em conflitos entre os índios e “produtores rurais”, tal qual aconteceu no debate e atividades de pressão no Congresso Nacional durante o processo de votação do Código Florestal. Os ruralistas – grandes fazendeiros ligados ao agronegócio – falavam em nome dos pequenos produtores, como se tivessem os mesmos interesses dos agricultores familiares, confundindo, assim, a opinião pública.

Enquanto o líder Rosivaldo Ferreira dos Santos Tupinambá, Babau, promove uma política sábia em sua aldeia, onde uma escola com mais 600 alunos dá atendimento, inclusive a crianças não índias, o assassinato de Juraci Santana é capitalizado por fazendeiros e políticos locais, como obra dos índios, dito, assim, genericamente. Um site regional insidioso fala da existência de “milícias indígenas” – um convite à vingança e ao confronto de resultados imprevisíveis. As depredações ocorridas em Buerarema, incluindo a tentativa de implodir uma ponte em estrada de uso intensivo, casas incendiadas e destruição de agências bancárias, fazem lembrar as ações de intimidação às vésperas da homologação da TI Raposa Serra do Sol, no estado do Amapá.

O CIMI, que acompanha a luta Tupinambá lembra que para as lideranças indígenas, o Ministério da Justiça precisa publicar a Portaria Declaratória e dar continuidade ao procedimento de demarcação para a violência arrefecer. “Porque aí todos teriam informações. O que acontece é a desinformação. Tem gente para ser reassentada, outros para serem indenizados. Tem produtor que já solicitou indenização. O ministro tem de parar de ouvir político, se pautar por eleições”, ressalta.

A CESE historicamente tem se solidarizado com os direitos dos povos indígenas, quilombolas e demais populações tradicionais. Chama a atenção do governo estadual a se colocar ativamente na mediação do conflito e principalmente do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para que se empenhe com determinação e espírito republicano, honrando os acordos e direitos dos povos originários, assinando a Portaria Declaratória da Terra Indígena Tupinambá, em nome da paz e convivência cidadã no Sul da Bahia.

Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE

Foto:  CIMI Regional Leste – Equipe Itabuna

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