Semana do Meio Ambiente: Os gemidos da Mãe Terra e o sorriso das ‘hienas’

Nesta Semana do Meio Ambiente nos deparamos com um país esquisito, à deriva. A crise hegemônica se agrava na antevéspera do julgamento do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e as forças da natureza seguem seu curso, ainda como se houvesse o amanhã.

Ah, se pudéssemos ouvir com mais atenção aos gemidos da Mãe Terra, mas o que se vê no confronto de um governo ilegítimo é a ascensão de pessoas desqualificadas e mal intencionadas em postos chaves e a postulação cada vez mais desavergonhada do criacionismo, afrontando a laicidade do estado brasileiro. Na FUNAI, por exemplo, que trata da política indigenista, se ensaia a indicação de um pastor – Everaldo Pereira, presidente do partido religioso PSC, aliado de Aécio na campanha de 2014. No comando da FUNAI, mas como assim? Entregar a política indigenista a um político profissional sem qualquer identidade ou formação para titular de um órgão tão essencial quanto cambaleante? Será para patrocinar missões religiosas nas terras indígenas?

A bancada evangélica colada com os ruralistas e representantes de forças policiais já está de olho para repautar a PEC 215 – aquela que pretende deslocar do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras das populações tradicionais – uma ameaça não só às identidades coletivas, mas ao meio ambiente e à biodiversidade contida nos grandes biomas nacionais, e à exploração predatória dos recursos minerais que ocorrem em seu ventre. Quanto retrocesso! O movimento indígena deve articular-se para pressionar o governo interino, tal qual fez a ‘tribo’ dos agentes da cultura em defesa de seu ministério.

O contencioso socioambiental é gigantesco e, a bem da verdade, as contradições já vinham acirradas durante as gestões de Lula e Dilma que ao lado das inegáveis políticas de inclusão social, nunca se apartou do modelo produtivista subjugado às commodities agrícolas e minerais, atrofiando o potencial industrial antes contido nas pautas de exportação. Contudo, havia canais de interlocução e espaços para incidência política.

Um contencioso que se manifesta, ainda, nas hesitações do ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ou na pressão sofrida pelos órgãos como o IBAMA para simplificação dos licenciamentos ambientais em favor dos grandes projetos de infraestrutura e empreendimentos privados. Cardoso segurou até onde pode um punhado de portarias declaratórias sobre terras indígenas, algumas delas felizmente agilizadas pelo novo ministro, Eugênio Aragão, nas semanas finais que antecederam o afastamento da presidenta eleita.
Não por acaso, surge um novo movimento social, o Movimento Nacional pela Soberania Popular frente à Mineração, conhecido pela sigla MAM – (‘atingidos pela mineração). A articulação vem se estruturando nos últimos anos, mas ganhou força e expressão, depois do estouro de uma barragem de rejeitos que soterrou o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, Minas Gerais, espraiando seu rastro destruidor por todo o Vale do Rio Doce e mar afora. Nem o maior acidente ambiental da história, nem a momentânea crise entre as commodities minerais, dada à retração da econo-mia mundial, foram suficientes até aqui para alterar o novo Código da Mineração, que a tornasse mais rigorosa. Nem a grande mídi a faz questão de inscrever esta tragédia na lógica da extração voraz de minérios no Brasil, pressionada especial-mente pelas encomendas chinesas e grandes multinacionais do setor.

Interessante a visão dos dirigentes do novo movimento: “A gente não é contra a mineração em si, mas é que o marco está muito voltado para o lado empresarial e a questão das comunidades atingidas é quase como um dano colateral inevitável. A gente está contestando essa inevitabilidade, não queremos voltar à idade da pedra”, disse Maria Júlia Andrade, do MAM. Passados tantos meses, nada há a comemorar sobre o acidente de Mariana. Permanecem subestimados os impactos sociais sobre os direitos de populações ribeirinhas, dos pequenos agricultores, artesãos, extrativistas, sobre o patrimônio cultural como bem público e imaterial cravada na alma de cada comunidade. Fato alentador é que foi criado um Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente a Mineração, que reúne cerca de 50 entidades, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Uma comunhão na adversidade.

Lamentavelmente, neste caos institucional, também pouca coisa se pode esperar em relação à campanha pelo desmatamento zero, por mais que as mudanças climáticas e seus fenômenos extremos continuem a emitir sinais. Plantations are not Forests – diz a estampa da camisa engajada denunciando as monoculturas de árvores de pinus e eucalipto – um embate contra o embuste dos monocultivos que tomam conta de paisagens inteiras avançando sobre áreas de domínio de riquíssima biodiversidade dos diferentes biomas brasileiros.
Num outro front, por ocasião desta Semana do Meio Ambiente, convêm lembrar como andará o ‘estado da arte’ do saneamento básico, particularmente nos centros urbanos, onde se concentra 85 a 90% da população brasileira. Poucas campanhas incomodam tanto os ambientalistas e sanitaristas como as formuladas pelo governo federal, ainda sob o comando de presidenta Dilma – que tem como foco o combate ao mosquito causador de um conjunto de assustadoras epidemias. Mas, no interregno do impeachment, nem esta campanha poderá ser devidamente avaliada com os desmontes institucionais em curso, a exemplo das ameaças sobre o SUS.

Neste sentido, vale destacar a lucidez da Campanha da Fraternidade deste ano, em defesa do saneamento básico – Casa Comum, Nossa Responsabilidade, inspirada pelo lema “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Amós, 24), campanha que este ano ganha dimensão ecumênica. Lá o combate ao mosquito aparece, mas não dissociado do enfrentamento das causas da pandemia que, como sempre, afetam as populações mais vulneráveis que moram em condições insalubres ou áreas de risco. A campanha alerta, tanto para a dimensão ampla do saneamento básico – água potável de qualidade, correto esgotamento sanitário, tratamento adequado de escoamento das águas pluviais e um sistema de tratamento dos resíduos sólidos – assim como a responsabilidade pública por sua gestão, em função dos discursos e riscos privatizantes deste bem comum. A campanha lembra que em relação ao esgotamento sanitário, 1/3 do país não tem serviço adequado, índice que chega quase à metade em estados nordestinos, como a Bahia.

Ao tocar em alguns pontos do grave contencioso ambiental que nos desafia, vale lembrar a reflexão de fundo trazida pelo cientista Luis Marques, da UNICAMP, que acaba de lançar um livro revelador – Capitalismo e Colapso Ambiental, com base em 10 anos de pesquisa referenciados em indicadores econômicos e ambientais. Ele destaca o impasse vivido pela humanidade, em que agentes econômicos – insistem em produzir mais e mais energia, e ainda com forte domínio dos combustíveis fósseis – carvão e petróleo – em sua matriz. E Isso, conclui, decorre da natureza expansiva do capitalismo. Lembra que de nada adiantou o Clube de Roma, ainda nos anos 60, pregar crescimento zero em meio a flagrante desigualdade, desconsiderando os modos de vida e necessidades básicas dos milhões de deserdados que mitigam direitos mundo afora, já que as injunções de poder das nações, estão subordinadas aos ditames das grandes corporações e a perspectiva insana de financeirização da vida. A contra-hegemonia passa pela persistente e cotidiana luta por uma nova governança mundial.

Embora estas constatações não sejam tão novas, Luis Marques, nos fala da natureza iniludível da expansão capitalista e que esta segue em rota de colisão com os limites da biosfera. No essencial, acompanha a mesma linha da encíclica Laudate Si, do Papa Francisco, que nos fala das raízes éticas e espirituais dos problemas ambientais, e de uma crescente dívida ecológica do Norte com os países do Sul. Nos fala do destino da humanidade e da falta de amparo de uma nova multidão destituída de qualquer proteção legal – os refugiados ambientais, digamos, uma variante de racismo ambiental.

Outra coisa ambientalmente relevante neste conturbado período: o Brasil sob o governo Dilma, através do Itamaraty, teve destacado papel geopolítico na construção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – a Agenda 2030. Do mesmo modo, nos compromissos assumidos na COP21 que tratou de um novo acordo internacional sobre o clima. As medidas tomadas ou anunciadas pelo governo interino-golpista deixam as deliberações em suspensão.

Ainda bem que projetos alternativos de comunidades humanas no campo e na cidade mostram ser viáveis e apontam outras lógicas de desenvolvimento, incluindo aquelas com a clara intenção de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, algo bem demonstrável pelas experiências agroecológicas. Talvez forçando um pouco o exemplo, a proposta da gestão Haddad em São Paulo, indo na contramão da cultura individualista do automóvel, seja uma expressão urbana do rumo ao Bem Viver.

Tais são alguns dos muitos desafios que percebemos pela voz das comunidades e movimentos sociais por uma ecologia popular que terão de ser trabalhados nos marcos da luta pela democracia e o Estado de Direito no Brasil.

E do compromisso ecumênico da CESE com a Justiça, a Paz e a Integridade da Criação.

05/06/2016

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *