Para o março de lutas: mulheres cristãs em espaços de poder e decisão

Você consegue ver mulheres cristãs em espaços de poder? É fato que, na maioria nas comunidades de fé, mulheres têm enfrentado a força doutrinadora do patriarcado cristão e buscam ocupar espaços de lideranças dentro das igrejas. “Vejo o ministério das mulheres nas mais variadas tradições religiosas como testemunho da possibilidade de um mundo melhor. ”, diz Marinez Bassotto, bispa primaz anglicana.

Para celebrar a vida das mulheres e falar sobre mulheres cristãs em espaços de poder, neste 8 de março, conversamos com Marinez Bassotto, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), sobre a busca das mulheres cristãs por espaços dentro das igrejas, o rompimento do lugar de submissão e o estímulo para as lutas das mulheres por espaços equânimes na sociedade. Com o crescimento de ideologias profundamente conservadoras que cerceiam os direitos fundamentais das mulheres, torna-se um grande desafio ser mulher e líder religiosa. Mas, também, abre muitas oportunidades: “Vejo o ministério das mulheres nas mais variadas tradições religiosas como testemunho da possibilidade de um mundo melhor, mais equânime e com mais justiça, amor e paz. Isso é o que busco testemunhar com o meu ministério”, afirma

Marinez Bassotto, bispa primaz da da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) – arquivo pessoal

Marinez entrou para a história como a primeira bispa primaz da sua igreja. Mas, para alcançar essa posição, passou por muitos processos. Em 2018 foi sagrada a primeira mulher bispa a exercer esse ministério na Igreja Anglicana na América do Sul, abrindo caminho para eleição de mais duas companheiras e, em 2022, tornou-se Bispa Primaz, pioneira ao assumir essa função no hemisfério sul na Comunhão Anglicana. “Ao participar do processo de eleição eu tinha plena consciência de que disponibilizava meu nome também em favor da ordenação feminina. ”, conta.

Para ela, a IEAB teve muita ousadia e inovação ao possibilitar às mulheres, desde o início, o acesso às três ordens sagradas. Mesmo com essa abertura, um pouco mais de três décadas se passaram e nenhuma Diocese tinha tido “a coragem profética” de eleger uma mulher ao episcopado: “Eu sinceramente acredito que o maior desafio foi romper essa barreira”, relembra.

A realidade da mulher no ambiente eclesial

“Nas Igrejas a presença e as ações sociais estão majoritariamente nas mãos das mulheres, no entanto isso não se reflete de igual forma quando se trata das posições de “governo” e espaço de decisão. Ou seja, o empoderamento da mulher no ambiente eclesial ainda é uma realidade distante em algumas denominações. ”

No Brasil, de acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 86,8% dos/as brasileiros/as são declaradamente cristãos, entre evangélicos e católicos. Desse contingente, as mulheres representam a maioria. São cerca de 60 milhões de católicas e cerca de 23,5 milhões de mulheres evangélicas. Embora as mulheres numericamente estejam em maior proporção, são os homens que ocupam cargos de liderança dentro das igrejas, o que pode contribuir para uma política de dominação e controle sobre a vida das mulheres.

Mulheres cristãs em espaços de poder: nem sempre é assim

Posições decisórias e de poder das mulheres estão muito aquém quando comparadas aos homens em função da sociedade patriarcal e estrutural que vivemos, e isso não é diferente no âmbito religioso. “Nas Igrejas a presença e as ações sociais estão majoritariamente nas mãos das mulheres, no entanto isso não se reflete de igual forma quando se trata das posições de “governo” e espaço de decisão. Ou seja, o empoderamento da mulher no ambiente eclesial ainda é uma realidade distante em algumas denominações. ”, declara a bispa primaz. Para ela, isso ocorre “seja por interpretações bíblicas equivocadas, seja por contextos culturais, ou seja pelo patriarcalismo estrutural”.

Contrária à ideia de submissão, Marinez exemplifica que ordenações femininas contribuem para romper o machismo nas igrejas e fortalecer a luta das mulheres de modo geral: “A eleição de mulheres para o episcopado no Brasil fortalece a luta das mulheres em toda a América Latina e impacta a reflexão teológica e a vida eclesial tanto da Igreja Anglicana quanto de outras denominações cristãs. Isso encoraja mulheres a continuar buscando ocupar mais espaços decisórios nas igrejas, a criar espaço de discussão, formação e capacitação de outras mulheres internamente e nos movimentos ecumênicos, como também apoiar e incentivar os movimentos sociais de resistência e luta por direitos. ”.

Articulação e formação para as mulheres cristãs

“Devemos incentivar os movimentos sociais de resistência e luta por direitos, dentre eles aqueles movimentos que buscam resguardar os direitos das mulheres e que fazem enfrentamento e prevenção à violência. ”.

A partir do momento em que as mulheres reconhecem o machismo e a reprodução das violências no espaço de comunidade de fé, elas começam a lutar e se organizar. “Graças às lutas feministas, muitas barreiras já foram transpostas. E outras tantas ainda precisam ser quebradas. ”, diz Marinez. São elas que sustentam suas igrejas. Visíveis apenas nos trabalhos de manutenção e organizações dos espaços, as mulheres cansaram da invisibilidade e do silenciamento.

Muitas têm proposto uma nova leitura bíblica para o papel que desempenham na família e na comunidade religiosa. Não aceitam que Bíblia seja usada como recurso para justificar processos de opressão e submissão. Sobre esse novo contexto, a bispa primaz afirma que o crescimento dos fundamentalismos potencializa discriminação e violência contra as mulheres, desrespeita seus direitos e criminaliza suas lutas: “Muitas denominações cristãs (ou grupos conservadores dentro delas), infelizmente de diversas formas e em inúmeras vezes, justificam essa discriminação e até reforçam a subjugação feminina usando a Bíblia como justificativa. ”.

Nesse sentindo, há um processo de mudança em curso – que tem permitido maior inserção de mulheres em espaços de poder. Há possíveis caminhos para desconstruir as interpretações patriarcais e machistas que ainda permeiam o cristianismo. A anglicana acredita que a alternativa é continuar percorrendo a rota da articulação e criação de instâncias de discussão, formação e capacitação de mulheres dentro das Igrejas e dos movimentos ecumênicos. E também atuar na perspectiva e defesa de direitos: “Devemos incentivar os movimentos sociais de resistência e luta por direitos, dentre eles aqueles movimentos que buscam resguardar os direitos das mulheres e que fazem enfrentamento e prevenção à violência. ”, aponta.

Iniciativas exemplificadas por Marinez, como Serviço Anglicano de Diaconia e Desenvolvimento (SADD) e a plataforma online “Empodere Sua Irmã” são consideradas como importantes instrumentos de apoio no enfrentamento às desigualdades de gênero e visibilidade de ações das mulheres de fé. Espaços onde elas podem dialogar sobre essas questões, e defender o direito de as mulheres exercerem sua fé, sem perder de vista o enfrentamento à violência religiosa e à violência doméstica, inclusive praticada contra meninas.

Mulheres cristãs em movimento

“Minha fé dialoga com equidade e justiça, amor e inclusão porque na minha perspectiva esses são os pilares do seguimento a Jesus. ”

Marinez Bassotto, bispa primaz anglicana, compartilha suas experiências de vida e de fé, e sua visão de mundo. Desde o início da sua caminhada, as lutas por direitos e justiça para as mulheres sempre foram parte do meu ministério. “Minha fé dialoga com equidade e justiça, amor e inclusão porque na minha perspectiva esses são os pilares do seguimento a Jesus. ”.

Assim como ela, existem tantas outras que têm redescoberto a Bíblia com a lente feminista. Há também aquelas feridas pelas violências que encontram nas histórias bíblicas das mulheres inspiração para romper o silêncio e o medo. A fé e a religiosidade são ambientes de escuta, alcance e formação. E cada vez mais mulheres cristãs têm aproveitado esses espaços para reverberar suas lutas.

Por isso, neste 8 de março “em defesa dos corpos, territórios e identidades”, mulheres cristãs e ecumênicas, de diferentes confissões de fé, também sairão às ruas! Levarão suas crenças e suas reinvindicações por direitos, por mais espaço de poder e decisão na sociedade e por um mundo melhor para todas as mulheres.

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