Mulheres indígenas se unem no II  Encontro Inter-regional Patak Maymu, pela defesa dos seus direitos

Entre os dias 30 de julho e 1º de agosto, aconteceu o II Encontro Inter Regional Patak Maymu: Vozes e Saberes das Mulheres Indígenas da Amazônia e Cerrado, promovido pela CESE-Coordenadoria Ecumênica de Serviço, com apoio e financiamento da União Europeia. O encontro reuniu representantes de 19 povos indígenas de diferentes organizações e regiões do país, e teve como objetivo o fortalecimento das mulheres indígenas a partir de suas experiências, lutas e estratégias de incidência política

Esse segundo encontro do Patak Maymu aprofunda o processo iniciado em 2023, com a primeira edição, e contribui para a construção de uma rede interterritorial de articulação e comunicação liderada por mulheres indígenas que atuam na linha de frente das lutas por seus territórios, direitos e modos de vida. Em um cenário marcado por ameaças ambientais, políticas e sociais, os diálogos realizados durante o encontro reforçam a centralidade das mulheres indígenas na resistência, no cuidado coletivo e na construção de alternativas sustentáveis para o futuro.

Fotos por: 1 Beatriz Tuxá. 2 Yamony Yawalapiti

Um espaço de escuta e conexão

Logo no primeiro dia, cada participante trouxe consigo um objeto simbólico que representa sua luta, trajetória e conexão com seu povo. Esse gesto coletivo deu início a um espaço de escuta atenta e reconhecimento mútuo das histórias que se atravessam, reafirmando que os saberes e vivências das mulheres indígenas são fundamentais para pensar caminhos de transformação social.

Houve também um momento de personalização de brindes, com adesivos ilustrados inspirados em mulheres indígenas e acompanhados de frases de luta e resistência. As participantes ainda puderam fazer grafismos em ecobags, representando os símbolos de seus povos. Segundo elas, foi uma vivência muito positiva, que elevou a autoestima e trouxe leveza para o início do encontro.

Fortalecer para resistir: saúde mental, juventude e cuidado entre mulheres

O encontro também abriu espaço para a escuta sensível sobre saúde mental, violência de gênero e a solidão enfrentada por muitas mulheres indígenas. Íris Tikuna, representante da Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas Makira E’ta-AM, destacou que falar de saúde mental ainda é um tabu, mas que o desânimo surge quando falta alimento, quando falta a semente, apontando como a crise climática tem impactado de forma distinta os territórios e, especialmente, a vida das mulheres indígenas. Nesse sentido, o encontro se tornou também um espaço de cura, apoio mútuo e acolhimento entre gerações. Para muitas participantes, as mulheres mais velhas se sentem bem entre si, e as mais novas também, o que reforça o quanto esses espaços são fortalecedores.

A juventude indígena teve um papel importante nas discussões, especialmente nas reflexões sobre formação política e na defesa da educação e da comunicação como formas de resistência cultural. Heslen Taurepang, jovem estudante de jornalismo e representante do Conselho Indígena de Roraima (CIR), apontou que as pautas da juventude muitas vezes não aparecem nas reuniões, por isso é necessário comunicar o dia a dia a partir do próprio olhar indígena.

Comunicação como ferramenta política e ancestral

Um dos eixos debatidos no encontro foi a comunicação como ferramenta de fortalecimento e incidência política. Muitas das mulheres participantes passaram, nos últimos anos, por formações promovidas pela CESE no âmbito do projeto Patak Maymu. Uma dessas formações foi voltada para a comunicação, e hoje essas mulheres atuam como comunicadoras em suas comunidades, registrando suas realidades por meio de vídeos, áudios, narrativas orais e estratégias de denúncia.

“A comunicação foi um despertar para mim”, compartilhou Tailan Wayuru, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e da Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas (OPIROMA), que iniciou sua atuação no campo da comunicação durante a gestação, em meio a desafios emocionais: “Me disseram que eu tinha que ser forte porque eu inspiro alguém. E eu pensei: se ninguém vai falar, eu vou falar.

“Meu povo precisava de uma comunicadora”, afirmou Ednalva Kurâ-Bakairi, uma das representantes da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB). Antes da formação oferecida pela CESE, ela conta que não havia material nem estrutura para promover a comunicação em sua comunidade. “Depois da oficina, comecei a interagir mais, perdi a timidez e aprendi a fazer vídeos. Hoje estou mais preparada”, celebra.

Mais do que instrumento de denúncia, as mulheres também destacaram a importância de compartilhar as potências dos territórios, como os saberes tradicionais, a cultura e as formas comunitárias de cuidado: “A comunicação é uma ferramenta de luta e também de alegria. Através da tecnologia, conseguimos mostrar quem somos”, explicou Sandrieli, comunicadora Guarani e Kaiowá representante da Kuñangue Aty Guasu (Grande Assembleia Das Mulheres Kaiowá e Guarani/MS).

Na ocasião, também foi realizado o lançamento do repositório Patak Maymu, um espaço virtual disponível no site da CESE que reúne todos os conteúdos já produzidos pelo projeto. O repositório inclui podcasts, vídeos, matérias e outros materiais que documentam e fortalecem as ações desenvolvidas. A iniciativa visa ampliar o acesso à informação, promover a memória das atividades realizadas e contribuir para a continuidade e o aprofundamento dos debates propostos pelo projeto.

Presença nos espaços de decisão 

Entre os temas centrais debatidos durante o encontro destacam-se a IV Marcha das Mulheres Indígenas e a 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas. Essas mobilizações são espaços de construção política, escuta ativa e fortalecimento do protagonismo das mulheres indígenas.

A IV Marcha das Mulheres Indígenas, que acontecerá no dia 7 de agosto de 2025, será realizada de forma articulada com a 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, marcada para os dias 4 a 6 de agosto, também em Brasília. Com o tema “ Nosso Corpo, Nosso Território: Somos as Guardiãs do Planeta Pela Cura da Terra”, a expectativa é reunir cerca de 5 mil mulheres indígenas de diversas regiões do país. A mobilização acontecerá de 2 a 8 de agosto, realizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

A COP 30 e a Cúpula dos Povos também foram pautas centrais levantadas, que reforçaram a urgência de uma participação efetiva nos espaços de debate climático e político: “A COP vai falar sobre o que acontece no meu território, mas nós não estaremos lá dentro?”, questionou uma das participantes.

Val Munduruku, da Associação de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós, completou: “Precisamos fortalecer as nossas bases. Nem todo mundo vai poder entrar para discutir, mas nossa mobilização social é uma das coisas mais importantes que temos. O Brasil se destaca como protagonista no debate climático, nas florestas. Mas a nossa realidade, dentro da nossa casa, é outra: está aí o PL da devastação, o marco temporal e a exploração da Foz do Rio Amazonas.”

As falas escancaram uma crítica recorrente: não é possível discutir políticas climáticas, ambientais ou de direitos humanos sem a participação direta das mulheres indígenas, que vivem e defendem esses territórios cotidianamente. Garantir representatividade efetiva e escuta qualificada é um passo fundamental para a construção de políticas públicas mais justas, inclusivas e eficazes.

A ação também promoveu uma análise de conjuntura com foco nas eleições: resultados, desafios e perspectivas para 2026, reforçando a importância da participação política indígena nos rumos do país.

Rede e articulação para os próximos passos

Durante os três dias de atividades, o Patak Maymu reafirmou que a luta das mulheres indígenas ultrapassa os limites dos territórios físicos, ela está também nos debates sobre justiça climática, políticas públicas, segurança alimentar, comunicação e educação diferenciada.

As participantes destacaram a necessidade de fortalecer redes entre mulheres indígenas de diferentes regiões e biomas, criando pontes que permitam a circulação de saberes e estratégias para resistir e florescer, mesmo em meio às adversidades.

Ao retornarem para seus territórios, essas mulheres seguem fortalecidas e conectadas por uma rede de saberes, solidariedade e resistência, reafirmando que, quando uma mulher indígena se levanta, caminha com muitas.

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