
Com vozes potentes, experiências diversas e denúncias contundentes, jovens do campo, das cidades e de povos e comunidades tradicionais do Nordeste expuseram as desigualdades históricas que atravessam seus territórios e defenderam a urgência da justiça socioambiental e climática. A mobilização aconteceu no dia 8 de agosto, durante a Roda de Diálogo com Juventudes do Nordeste, promovida pela CESE com apoio da DKA Áustria e de Pão para o Mundo, em formato virtual. O encontro reuniu representantes de diferentes estados e contextos socioculturais para debater resistências e estratégias de defesa da vida e dos territórios diante das crises ambientais, climáticas e sociais.
A mediação foi compartilhada entre Uine Lopes (Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP, Bahia), João Victor Pankararu (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME) e Tamara Cristina Almeida (Coletivo Meraki do Gueto, Ceará). Ao longo do debate, foram expostas denúncias sobre racismo ambiental, impactos das mudanças climáticas na cultura e nos modos de vida, além de críticas a políticas públicas e projetos que ameaçam territórios e comunidades.
Abrindo a roda, Tamara Cristina leu o texto “Querem nos calar”, que trata da luta das mulheres no sistema prisional e denuncia a opressão sobre os corpos e as vozes das populações marginalizadas. A partir daí, ela conectou as discussões à realidade urbana de Fortaleza, onde a especulação imobiliária e grandes empreendimentos, como o VLT construído para a Copa do Mundo de 2014, provocaram a remoção de famílias para conjuntos habitacionais distantes, rompendo laços comunitários e cortando o acesso a serviços, natureza e memória territorial. “A gente pensa na revolução das máquinas, mas não na revolução dos mangues”, provocou Tamara, chamando atenção para a invisibilização das lutas socioambientais. Ela lembrou que, em uma cidade com 600 mil jovens, o acesso desigual à praia simboliza a violência e o medo produzidos por uma lógica urbana que apaga a história dos territórios. Segundo ela, o racismo ambiental é naturalizado, atravessa cor, raça e religião, e se manifesta também nas altas temperaturas: “As pessoas não têm direito a ter um quintal e ainda estamos sendo derretidos pelo calor extremo”.

João Victor Pankararu destacou que a juventude indígena sempre atuou politicamente, mesmo antes de esse trabalho ser reconhecido como “incidência política”. Para ele, a crise climática não é apenas um problema ambiental, mas também cultural e espiritual, alterando tradições centenárias. Como exemplo, citou o ritual da corrida do imbu, prática que marca o início do consumo do fruto e simboliza a passagem de ciclo nas comunidades. Com as mudanças no clima, o período de frutificação tem se deslocado, comprometendo o calendário e a simbologia desse momento. Além dos impactos ambientais, João denunciou a aprovação recente do chamado PL da Devastação pelo Congresso Nacional, que, segundo ele, fragiliza mecanismos de proteção territorial e ameaça diretamente povos indígenas e comunidades tradicionais.
Para Uine Lopes, a luta por justiça socioambiental começa pelo reconhecimento de que “o primeiro violador dos direitos humanos é o Estado brasileiro”. Ele descreveu que empreendimentos multinacionais poluem a área da Ilha de Maré com sedimentos cancerígenos, afetando diretamente a saúde das comunidades pesqueiras e o equilíbrio ambiental. Uine também destacou a importância da comunicação popular como ferramenta de resistência e incidência. Citou o Podmar Podcast, criado pelo coletivo local, como espaço para narrar a realidade dos territórios, fortalecer identidades e difundir pautas socioambientais a partir da perspectiva das comunidades atingidas.

Após ouvir as falas, Marcella Gomez, assessora de projetos e formação da CESE, sintetizou as reflexões destacando que “o apagamento da juventude denota desafios que mostram que os lugares mais periféricos acabam sofrendo como zonas de sacrifício”.

Encerrando, Vanessa Pugliese, também assessora de projetos e formação da CESE, reafirmou que o Programa de Apoio a Pequenos Projetos prioriza e incentiva iniciativas protagonizadas por juventudes: “Os projetos das juventudes são fundamentais, e depois a gente compartilha nos grupos e redes para ampliar o alcance”.
Sobre o projeto
O projeto tem como objetivo contribuir para fortalecimento de organizações populares de juventudes do campo e da cidade da região Nordeste do Brasil em suas ações de defesa de direitos. Nesta iniciativa há atividades de apoio a projetos, formação, diálogo e articulação, como também ações de comunicação como a produção de peças de visibilidade vinculadas às atividades de formação e apoio a projetos
O foco do trabalho estão nas ações com organizações de juventude do campo e da cidade que envolvem coletivos informais de atuação locais, mas também movimentos, redes e fóruns nacionais, a maioria com pouca infraestrutura e pouco acesso a recursos, localizadas em territórios populares do Nordeste, em áreas urbanas ou rurais, em geral caracterizadas por problemas relacionados a falta de políticas públicas de educação, saúde, moradia, saneamento, segurança pública, e que desenvolvem ações de defesa de direitos da juventude através de estratégias como formação política, ações culturais e artísticas, de comunicação popular e de incidência, dentre outras. Apoio: Agência de cooperação de Katholische Jungschar (DKA) – Áustria A DKA Áustria é a agência de cooperação de desenvolvimento do Movimento das Crianças e Jovens Católicos da Áustria, criada em 1955. https://www.dka.at/pt