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Queimadas ameaçam extinguir etnia Bororo e sua cultura secular em Mato Grosso

Andres Pasquis para a CESE

“O fogo acaba com tudo, queima também os remédios ruins e a fumaça adoece a todos, principalmente as crianças e os idosos. Precisamos de ajuda. Tenho medo de que tudo possa desaparecer”, lamenta Jokuruga, ‘Dona Santinha’, matriarca da aldeia Bororo Nabureau.

Etnias indígenas de Mato Grosso ameaçadas pelo fogo

Em 2019, o estado de Mato Grosso liderou uma vez mais o ranking das queimadas no país, com mais de 31 mil focos de calor apresentando um aumento de mais de 50% em relação a 2018. O Cerrado, “caixa d’água” da América do Sul e lar da etnia Bororo do estado, é o segundo bioma mais atingido, contabilizando cerca de 40% do total das queimadas.

Na aldeia do ‘Morro das Arraias’ (Meruri em Bororo), Bakorumogo ‘Maria Auxiliadora Lopes’ relembra a luta pela demarcação do território, conseguida com muito sacrifício e sangue. “A gente nunca pensou que a luta culminaria com a morte do Padre Rodolfo Lunkenbein e do índio Simão. Sem terra teríamos estado praticamente encurralados, sem ter onde plantar, colher, essas coisas”, contou. Durante a Ditadura Militar, no dia 14 de julho 1976, Koge Ekudugoduo ‘Simão’ e o Padre Salesiano Rodolfo Lunkenbein foram assassinados por fazendeiros contrários à demarcação do Território Indígena Bororo, que acabou sendo desmarcada no mesmo ano. “E agora, com essas queimadas, a gente fica ameaçado de novo de perder tudo”, disse preocupada.

Tradições seculares em perigo

Para além do perigo, da destruição ambiental e dos impactos sobre a saúde, a própria manutenção da cultura Bororo está em risco. Pariko Ekureu ‘Lauro Lopes Leandro’ explicou que as atividades culturais já foram muito afetadas pelas queimadas. “Por exemplo, muitas dependem dos rios e das pescas, como o ritual de Kare Paru, mas o fogo destrói as nascentes”. Na tradição Bororo, a pesca é imprescindível, tanto para a alimentação, como para os aspectos sociais e espirituais, já que em quase todos os rituais e em todos os funerais, o alimento central é o peixe.

Outro aspecto importantíssimo desta cultura se encontra no Baito, estrutura tradicionalmente construída com folhas de palmeira babaçu, no Centro da Aldeia, junto à praça cerimonial chamada Bororo. A casa é o elemento mais importante de uma aldeia, é um lugar sagrado para diversos rituais, além de proporcionar um espaço para interação social e discussões sobre diferentes problemas da comunidade relacionados à saúde, educação, trabalho, alcoolismo, entre outros.

Em 2019, o Baito da aldeia Koge Ekureu (Peixe Dourado) foi consumido pelas chamas, deixando a comunidade em luto. “Para nós, é uma casa muito simbólica e perder um Baito é como se fosse uma parte de nós que tivesse morrido. A aldeia não está completa enquanto faltar o Baito, uma casa significativa espiritualmente para nosso ser Boe”, explicou Kugarubo ‘José Mario’, Cacique do Território Indígena e da aldeia Meruri.

Esperança no futuro

Frente a um cenário tão alarmante, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço – Cese e a Agência de Cooperação Internacional Heks/Eper, lançaram um edital de ajuda humanitária emergencial de apoio a povos indígenas, comunidades tradicionais e famílias camponesas afetadas pelos incêndios. Assim, a Organização de Mulheres Indígenas Takiná elaborou um projeto, para a aldeia Meruri. “O projeto tem dois objetivos: por um lado capacitar grupos de mulheres para o aproveitamento e processamento de frutos do Cerrado, gerando renda e autonomia. Por outro, promover a formação de brigadistas Bororo na aldeia, para ações para prevenção e combate às queimadas mais rápidas e adequadas”, expôs Torekureuda ‘Maria Elizandra Lopes’, mestra em antropologia social que atua na organização.

“Nós, Boe Bororo, sempre fomos um povo forte, lutador, desbravador. Por isso, seguiremos adiante e nossa juventude também (…) cada vez mais firme nos seus ideais, na sua cultua e nos seus propósitos”, concluiu Kugarubo.

A organização de mulheres indígenas de Mato Grosso Takiná

Criada em setembro 2009, é uma instituição de integração e referência das mulheres indígenas que promove articulações e intercâmbio além de atuar na formação e no protagonismo das mesmas, visando o fortalecimento dos saberes e práticas tradicionais. Atua na busca de mecanismos que possibilitem a melhoria da qualidade de vida das mulheres indígenas em suas comunidades através de programas e projetos nas áreas de saúde, educação, meio ambiente e auto sustentabilidade, entre outros.

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A HEKS/EPER

Agência de Cooperação Internacional, com sede na cidade de Zurique, com escritório de representação no Brasil onde apoia projetos com ações e iniciativas que promovem o desenvolvimento de comunidades rurais e a transformação de conflitos com a promoção da cultura da paz.

Websérie (R)Existências no Cerrado

O Cerrado é um dos maiores e mais importantes biomas brasileiros, com uma biodiversidade que ocupa 23% do território nacional e sustenta diversas comunidades indígenas e quilombolas. Esse bioma sofre com o desmatamento provocado, principalmente, pelo setor agropecuário e com o avanço dos focos de incêndio. Em reportagem divulgada pelo Jornal Brasil de Fato, em 2 agosto de 2020, o bioma contabilizou 12 mil focos de fogo.

Nos próximos meses, a CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço, com o apoio de HEKS EPER, convida você para conhecer histórias de lutas e resistências de pessoas que vivem nos #cerrados do Brasil. Semanalmente, por meio dos canais de comunicação da CESE, a websérie contará histórias de comunidades e povos que tiveram parte de suas vidas destruídas pelo fogo em seus territórios, nas queimadas de 2019, mas que encontraram forças para reerguer suas casas, plantar novamente suas roças e reorganizar seu trabalho e atividades do dia-a-dia.

Período de veiculação: setembro e outubro de 2020 nos canais de comunicação da CESE e da
Campanha Nacional em Defesa do Cerrado 

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Imagens captadas antes da Pandemia COVID 19