Na tarde da última quarta-feira (14), mulheres de diferentes organizações populares participaram da roda de conversa virtual: “Acessibilidade, e eu com isso?”, promovida pela CESE e o Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e com Baixa Visão (MBMC), como parte do programa Doar para Transformar. O encontro integrou a Comunidade de Prática do programa e se consolidou como um espaço de aprendizado coletivo, trocas sensíveis e fortalecimento da luta das mulheres com deficiência.

A ocasião reuniu mulheres de diferentes organizações populares do Nordeste e de outras regiões do Brasil. Foram abordados temas como os desafios, as nuances e as vertentes da acessibilidade, a presença constante do capacitismo nas estruturas sociais e o protagonismo das mulheres com deficiência na luta por direitos e por uma sociedade mais inclusiva.
O espaço também proporcionou reflexões obre as diferentes formas de acessibilidade, física, arquitetônica, comunicacional e atitudinal, destacando que a inclusão verdadeira só ocorre quando todas essas dimensões são consideradas de forma integrada.
As facilitadoras Denise Santos e Kelly Araújo, integrantes do MBMC provocaram as participantes a refletirem sobre: “Quando vocês pensam em acessibilidade, o que vem à mente?”,“Será que os nossos espaços e coletivos estão realmente preparados para acolher mulheres com deficiência?”.
Denise Santos lembrou que: “a acessibilidade é garantia de direitos, para que a gente tenha uma vida possível em qualquer espaço que esteja sendo acessado”. Essas perguntas trouxeram à tona a importância de se refletir sobre práticas institucionais e sociais. Além de se as organizações populares contam com a participação das mulheres com deficiência em seus espaços e se compreendem de fato, o que é o capacitismo.
“É importante que a gente pense enquanto organização também, enquanto grupo. Como levamos esta pauta para dentro das nossas organizações? Como as nossas organizações também podem ser mais inclusivas”, questionou Vanessa Pugliese, assessora de projetos e formação da CESE.
A discussão trouxe exemplos práticos de acessibilidade comunicacional, como o uso de Libras (Língua Brasileira de Sinais), audiodescrição, materiais em PDF e em braile, além de recursos específicos voltados à comunicação por meio do tato e da fonética em casos de surdocegueira. Para Kelly Araújo, “são várias as formas de promover a acessibilidade comunicacional, e todas devem ser consideradas com seriedade e compromisso”.
Desse modo, a acessibilidade atitudinal também se faz crucial, ou seja, uma postura empática e genuína de abertura, escuta e respeito à diversidade humana. “Não adianta ter uma rampa boa ou uma comunicação eficiente se as pessoas não contribuem na prática para a inclusão. A acessibilidade atitudinal é a atitude das pessoas em lidar com a diversidade”, ressaltou Denise. E completou: “A inclusão só existe, de fato, se houver acessibilidade”.
Capacitismo: nomear para enfrentar
A ocasião também serviu como um momento pedagógico e informativo sobre o que é capacitismo e como ele se manifesta no meio social. É o preconceito cometido contra pessoas com deficiência, que hoje tem essa nomenclatura.
O debate avançou para o conceito de capacitismo, ainda segundo Denise, este é hoje o ponto central da discussão quando se trata da vivência das mulheres com deficiência. Ela explicou que, embora o termo ainda seja novo para muitas pessoas, suas consequências são antigas e bem conhecidas por quem vive com deficiência. O capacitismo se expressa na falta de acesso, na invisibilidade, no desrespeito e, principalmente, na exclusão.
“Eu já tinha ouvido falar sobre capacitismo, mas não sabia o que era, já presenciei várias cenas. Canso de ver pessoas com deficiência com muita dificuldade de se deslocar e de presenciar passar por cima pelo direito do outro. É muito difícil viver em uma sociedade na qual a gente não acessa os nossos direitos, mas é muito importante a gente se apropriar do conhecimento, não desistirmos de lutar e pensar no sonho como o nosso principal figurino”, comentou Bárbara Ramos, militante do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais.
O patriarcado e o machismo são obstáculos também enfrentados pelas mulheres com deficiência, inclusive dentro das próprias organizações de pessoas com deficiência, o enfrentamento assim, é necessário em diversos espaços.
Convites à ação coletiva
A roda de conversa reforçou que a luta das mulheres com deficiência não pode ser dissociada das lutas de outras mulheres, como as negras e trans. Há pontos de interseção entre essas trajetórias que exigem união, solidariedade e ação coletiva.
O evento também serviu como um chamado para que cada organização presente avalie suas próprias práticas: “Estamos realmente preparados para incluir? Nossas ações promovem acessibilidade em todas as suas formas ou apenas replicam padrões normativos? Estamos dispostos a mudar atitudes, linguagens, estruturas?”, provocou Kelly.
Raimunda Oliveira, do Coletivo Mahin e do Coletivo Mulheres, Políticas Públicas e Sociedade (MUPPS), trouxe ainda a importância de debater sobre deficiências ocultas, como o autismo, que muitas vezes são ignoradas nas políticas públicas e na convivência cotidiana. “As crianças autistas na escola, por exemplo, enfrentam o capacitismo diariamente, porque a sociedade ainda não sabe lidar com suas diferenças. É uma discussão que precisamos levar para os nossos territórios com naturalidade”, afirmou.
A roda representou um momento pedagógico e de reconstrução de narrativas. Como reafirmou Denise Santos:
“A sociedade ainda insiste num corpo padrão, normativo, hétero e branco. Mas nós vamos continuar resistindo. E convidamos vocês a resistirem conosco.”
Doar para Transformar
O programa Doar para Transformar (Giving for Change) é uma iniciativa desenvolvida no Brasil pela CESE com o apoio da cooperação holandesa Wilde Ganzen, através do Ministério das Relações Exteriores. Além do nosso país, o programa envolve também outras sete nações do Sul Global – Burkina Faso, Etiópia, Gana, Quênia, Moçambique, Uganda e Palestina.
A partir do apoio a projetos, encontros de formação, ações de incidência política e campanhas, a iniciativa busca contribuir para a adoção de práticas mais equitativas nas relações entre Norte e Sul Global, inclusive a partir das ideias de mobilização de recursos nacionais e filantropia comunitária.