Após incêndio criminoso, Casa de Reza do Povo Guarani Kaiowá é reconstruída em Dourados (MS) - CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço" /> Após incêndio criminoso, Casa de Reza do Povo Guarani Kaiowá é reconstruída em Dourados (MS) - CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço" />

Obra contou com apoio da CESE e HEKS/EPER. Inauguração foi adiada devido a pandemia do coronavírus

https://www.youtube-nocookie.com/embed/1YPqwDbzR_Q?feature=oembed&wmode=opaque&iv_load_policy=3&modestbranding=1&rel=0&autohide=1&playsinline=0&autoplay=0

“É como se tivessem colocado fogo no Vaticano. Já imaginou?’’. É com essa comparação que a professora Edina Souza explica a dimensão da violência que foi praticada na Aldeia Jaguapiru, no território indígena do Povo Guarani Kaiowá em Dourados (MS). No dia 8 de julho de 2019 a Casa de Reza Gwyra Nhe’engatu Amba foi incendiada e sua estrutura completamente destruída junto com os objetos de culto que ali estavam.

Consideradas um espaço sagrado para o Povo Guarani Kaiowá, não é a primeira vez que Casas de Reza são incendiadas na Aldeia Jaguapiru. Segundo a Ñandesy Alda Silva, uma das responsáveis pela gestão do local, essa foi a terceira vez que a Gwyra Nhe’engatu Amba é atacada, queimada e reconstruída.

Para a professora e coordenadora do Núcleo de Educação Indígena de Dourados, Teodora Souza Guarani Kaiowá, a violência praticada foi movida pela intolerância religiosa e pelo preconceito que é disseminado dentro e fora dos territórios indígenas nos últimos anos. “Essa queima representa a intolerância em suas diversas formas: religiosa, lingüística, étnica, cultural e simbólica’’, conta.

Não é de hoje que os povos indígenas convivem com outras culturas e religiões, porém, para Teodora, o avanço da violência acontece por conta da maneira como indígenas são retratados nas escolas e na grande mídia. “Sabemos que o padrão de beleza e a visão hegemônica é outra. Tudo que vem da Europa, dessa visão eurocêntrica, é colocado em um patamar superior ao nosso. A violência nasce dessa desvalorização do que é do nosso povo’’, destaca.

A reconstrução

De acordo com a professora Edina Souza, a Casa de Reza pode ser compreendida como a “extensão do corpo místico do Povo Kaiowá’’. Após o incêndio, devido a intensidade do impacto emocional do ocorrido, o Ñaderu Getúlio Juca adoeceu e foi internado em hospitais das cidades de Dourados e Itaporã (MS). Entretanto, em sintonia com a reconstrução do espaço sagrado, a saúde de Getúlio também foi melhorando e hoje o cacique é um dos responsáveis pela obra.

“Querem acabar com a nossa cultura e nós não vamos deixar. Essa Casa aqui foi construída graças ao apoio de muita de gente. Não vamos deixar isso morrer novamente’’, partilha o Ñaderu Juca, que se refere ao apoio solidário que as famílias Kaiowá receberam da Coordenação Ecumênica do Serviço (CESE) e HEKS/EPER.

Por meio do apoio do projeto emergencial da CESE e HEKS/EPER foram destinados recursos que viabilizaram a compra dos troncos de madeiras e o do sapé, utilizado na cobertura da casa, além de equipamentos diversos e da remuneração e alimentação dos colaboradores do projeto. Vale destacar que os trabalhadores da parte estrutural da obra são todos indígenas da Aldeia, o que garantiu que o projeto arquitetônico fosse fiel à tradição Guarani Kaiowá.

Símbolo de esperança

As obras de reconstrução da Casa de Reza tiveram início em novembro de 2019 e sua finalização aconteceu no mês de abril de 2020. Infelizmente, por conta da pandemia do novo coronavírus, sua inauguração ainda não possui data marcada, mas a Comunidade planeja a realização de uma celebração assim que o período de isolamento for suspenso pelas autoridades mundiais de saúde.

Segundo Edina Souza, a Casa de Reza não é apenas um espaço de espiritualidade, mas também funciona como um centro cultural e educacional, cumprindo a função de assegurar a preservação da memória, tradição e dos saberes indígenas do Povo Guarani Kaiowá. “Por ser esse espaço de fortalecimento para as pessoas, muitas atividades podem ser programadas, incluindo jovens, idosos, crianças, mulheres e até não indígenas’’, explica.

A Casa de Reza Gwyra Nhe’engatu Amba possui também sua importância na vida política do povo Kaiowá, já tendo sediada a Assembleia Aty Guasu de lideranças Guarani Kaiowá e o Kunhangue Jeroky Guasu – Encontro Nacional de Estudantes Indígenas. Antes de ser incendiado o espaço estava sendo utilizado pela organização de mulheres de Aldeia para reuniões e articulação de atividades.

Aldinéia Silva Guarani Kaiowá, filha do Ñaderu Getúlio e da Ñadesy Alda, não economizou nos sonhos e projetos que já traçou para o espaço após sua inauguração oficial. “Faremos o batismo das crianças, o batismo do milho, nossas danças, oficinas de plantas medicinais e de artesanato, e convidaremos as escolas para conhecerem um pouco de nossa história’’, revela a jovem com entusiasmo.

Apesar das intolerâncias e violências sofridas diariamente pelos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, a Casa de Reza da Aldeia Jaguapiru foi reerguida e resiste sendo símbolo concreto de esperança para o povo Guarani Kaiowá.

Por Bruno Santiago