Carta da Assembleia da CESE 2022

”Cidade, Chão de Lutas”

“Grite a plenos pulmões, não se detenha! Erga a voz como a trombeta e anuncie a meu povo a sua transgressão e, à casa de Jacó, os seus pecados.” (Isaías 58:1)

Reunida em Assembleia nos dias 09 e 10 de junho de 2022, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE, com suas igrejas associadas e em conjunto com parceiros/as de organizações ecumênicas, entidades de defesa de direitos e movimentos sociais, vêm a púbico expressar solidariedade e reconhecer a legitimidade da luta das comunidades Alto da Conquista e Marielle Franco (Movimento Sem Teto da Bahia – MSTB),   em Simões Filho /BA, e Carlos Marighella (Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB), no Centro Histórico de Salvador/BA.

As ocupações Alto da Conquista e Marielle Franco foram iniciadas em 2007 e 2017, respectivamente, e envolvem um total de 350 famílias, em sua maioria negras, com forte presença de mulheres, jovens e crianças.  A ocupação Carlos Marighella se iniciou em junho de 2021, em um prédio abandonado da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), e reúne atualmente cerca de 150 famílias, envolvendo muitas mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiências e comorbidades.

Ao pisarmos nesse “chão de lutas” durante as visitas realizadas nas comunidades, percebemos o impacto da ausência de políticas públicas que garantam moradia digna, que se traduz na carência de quase 6 milhões de moradias no Brasil, enquanto milhares de imóveis públicos e privados estão vazios, sem cumprirem sua função social. Percebemos o sofrimento que é viver sob constante ameaça de despejo e diversas formas de violência, inclusive impostas pelo próprio Estado, que deveria garantir o direito à cidade para todos e todas. Percebemos que a violação desse direito atinge principalmente a população negra e as mulheres, aprofundando o racismo e ampliando desigualdades estruturais e históricas na sociedade brasileira.

Nesse chão, também percebemos sinais de esperança, o protagonismo e autonomia das lideranças comunitárias e o papel fundamental das mulheres negras à frente das lutas. Destacamos: A ressignificação dos territórios enquanto espaços de resistência, identidade, pertencimento e ancestralidade; As experiências de quintais produtivos, educação popular, saúde e segurança alimentar, em especial no período da pandemia; A importância da solidariedade e articulação em rede; A presença ativa da juventude nesses espaços aponta para perspectivas de continuidade e formação de novas lideranças na luta pelo direito à moradia.

Como cristãs e cristãos, somos chamadas/os a apurar nosso olhar, contribuir para romper com a invisibilidade, denunciar o racismo, a violência contra as mulheres e demais violações de direitos, ecoar as vozes das resistências, nos colocar a serviço para que todos e todas tenham uma vida digna.

Neste momento, nosso testemunho comprometido nos impõe um posicionamento firme pela exigência da manutenção da medida legal que suspende os despejos, ainda mais em situação de pandemia. Queremos que os poderes públicos garantam o cumprimento do direito à moradia digna, bem como as resoluções e diretrizes da Conferência Popular pelo Direito à Cidade, realizada em São Paulo, de 03 a 05 de junho de 2022.

Que a Divina Ruah continue a nos inspirar na caminhada profética, renovando em nós o compromisso de denunciar as injustiças, a coragem para lutar ao lado das pessoas empobrecidas e violentadas  e o amor que nos faz acreditar que um novo mundo é possível, nos aproximando do Reino de Deus.

49ª Assembleia Geral Ordinária da Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE

Salvador, 10 de junho de 2022