CESE e PAD promovem roda de conversa sobre cooperação internacional com mulheres de organizações e movimentos sociais do Nordeste

A atividade aconteceu na CESE, com cerca de 30 mulheres de organizações sociais participantes do curso de incidência política

A CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço abriu o espaço de sua sede para a Roda de Conversa ‘’Cooperação Internacional: de onde vem, pra onde vai?’’, um bate papo realizado em conjunto com o PAD – Processo de Articulação e Diálogo no dia 29 de junho. Reunindo mulheres representantes de organizações populares e movimentos sociais do Nordeste, o encontro compartilhou percepções de Mara Luz, consultora de cooperação internacional e desenvolvimento organizacional, com 30 anos de experiência em desenvolvimento, incidência e política internacional em diversas organizações na América Latina e Caribe, além de Julia Esther Castro, Secretária Executiva do PAD, com mediação feita pela Diretora Executiva da CESE, Sônia Mota.

A atividade aconteceu durante o curso de incidência política com a metodologia do programa Virando o Jogo, voltado para organizações da comunidade de prática do Programa Doar para Transformar (Giving for Change), iniciativa que tem como objetivo contribuir para a adoção de práticas mais equitativas no sistema internacional de desenvolvimento.

Consultora Mara Luz

Na oportunidade, a consultora Mara Luz compartilhou algumas informações levantadas no estudo sobre as Políticas de Cooperação Internacional e suas tendências, realizado no âmbito da PAD e que será divulgado durante o Fórum Social da Pan-Amazônico, nos dias 28 a 31 de julho. A pesquisa reúne uma análise das principais tendências da Cooperação Oficial de seis países – Alemanha, França, Holanda, Noruega, Reino Unido, Suíça – e desafios para nós da Sociedade Civil.

“Foi muito importante que o PAD coordenasse uma série de estudos sobre a cooperação internacional e o Brasil nesse momento. São seis estudos que atualizam a situação da cooperação internacional com o Brasil. Conversamos com as agencias, com funcionários das embaixadas, consultorias, conversando com cooperação governamental e não governamental” explica Luz. Segundo ela, “a cooperação internacional nasceu no contexto pós-guerra, no primeiro momento atuando com os refugiados e mais tarde, com as ex-colônias da Europa. Apenas nos anos 70, as agências começam a investir na América Latina”. Naquele período, o pensamento de Paulo Freire germinou e influenciou politicamente as agências de cooperação, trazendo uma perspectiva de ação mais politizada para as ações solidarias. Com o passar do ano, uma instrumentalização técnica, mas também um discurso de produtividade, alcance de metas e indicadores ganhou preponderância.

Ela acrescenta que “há uma necessidade de solidariedade internacional e não apenas fluxos de recursos vindos do Norte para cá. Pode ser que venham recursos do Norte para o Sul, mas também há muita inspiração dos países do Sul para o Norte”. Segundo ela, as questões socioambientais são o ponto de mais forte atenção para as agências internacionais e o olhar que elas lançam para o Brasil. Um outro dado é que os países ricos inclinam seus investimentos para os países com quem têm acordos e tem interesses comerciais.

Recomendações para sociedade civil brasileira – Mara Luz compartilhou algumas sugestões para as organizações da sociedade civil organizada no âmbito de aproximação e contato com as agências de cooperação. O primeiro ponto é ter maior atenção com a comunicação e a visibilidade do trabalho, mostrando o que vem sendo feito, a importância do apoio e a busca por uma linguagem mais direta e para fora da bolha. E fortalecer o diálogo com a cooperação no sentido da incidência política, focando nos direitos humanos e não apenas um discurso de caridade. Por outro lado, nas oportunidades de troca dos movimentos sociais com esses organismos internacionais, as organizações podem e devem colocar suas demandas de modo muito objetivo.

O mapeamento foi feito depois de um longo trabalho de consultas às agências governamentais e não governamentais, embaixadas e consulados. A partir desse mapeamento, ficou evidenciado que para as organizações alemãs o foco é no florestamento e crise ambiental, enquanto para as holandesas o alinhamento dos apoios se dá com a política de comércio exterior do país; a Suíça adotou uma política de não comprar ouro fruto do desmatamento da Amazônia. Um ponto importante para as organizações sociais brasileiras é saber de onde vêm os recursos da cooperação internacional. Nos EUA, tem havido uma tendência de famílias ricas criarem fundações comprometidas com ações filantrópicas, o que implica no acesso a recursos sem passar pelos governos.

A discussão foi acalorada porque o movimento social brasileiro tem um papel fundamental na transformação do país, num momento grave de crise socioeconômica, civilizatória e socioambiental, com a participação política e a atividade de defesa de direitos humanos sob forte ataque e criminalização. A representante do Instituto Odara, Valdeci Nascimento questiona quem define as pautas e os interesses das cooperações. “Na ponta, mulheres negras, mulheres do nordeste, indígena, quilombola, não são prioridade. O Brasil está aprendendo o que é filantropia. Eles querem doar a partir do sonho deles, mas nós temos o nosso sonho… O Brasil é um país rico. Como reverter essa riqueza para nós?”, questiona.

Julia Esther/ PAD

A secretária executiva do PAD, Julia Esther, é possível construir uma caminhada de diálogo com agências de cooperação, através de um cultivo de relações. “É um exercício grande o trabalho continuado com a cooperação internacional. E temos uma frente no Brasil que faz isso, acompanha os acordos internacionais. O PAD com a pesquisa busca socializar com a base esse movimento, que acontece na cooperação e como isso pode subsidiar novas estratégias de mobilização com essas fontes” afirma.

Priscilla Isabel Dantas, integrante Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e com Baixa Visão

Priscilla Isabel Dantas, integrante Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e com Baixa Visão, chamou atenção para o fato de que há grandes desafios para os movimentos de mulheres, especialmente os das pessoas com deficiência, participar de chamadas públicas internacionais. “Nós já tentamos editais internacionais, mas é quase sempre tudo em outro idioma. Para nós, mulheres cegas, quando conseguimos acessar o edital já acabou o prazo. Estamos sempre atrasadas” acrescenta.

Cleusa Oliveira, diretora do Sindoméstico – BA, concorda e acrescenta que as organizações que atuam na ponta enfrentam uma barreira que é conseguir escrever projetos. “Nós temos ideia na cabeça e não sabemos colocar no papel. Nem sempre encontramos pessoas com interesse e com compromisso” pontua. A CESE, através do programa Doar para Transformar, criou uma comunidade prática com organizações de mulheres no Nordeste brasileiro, a fim de fortalecê-las para as ações de incidência e diálogo com as agências de cooperação internacional, trazendo ferramentas e subsídios para fazer a aproximação necessária.

Cleusa Oliveira, diretora do Sindoméstico – BA

Sobre o Programa Doar para Transformar

Em 2021, a CESE iniciou uma caminhada de cinco anos com Programa Doar para Transformar (Giving for Change), apoiado pela agência da cooperação holandesa Wilde Ganzen, através do Ministério das Relações Exteriores. O programa envolve internacionalmente oito países do sul global: Brasil, Burkina Faso, Etiópia, Gana, Quênia, Moçambique, Uganda e Palestina.

A iniciativa tem entre seus objetivos contribuir para a adoção de práticas mais equitativas no sistema internacional de desenvolvimento, inclusive a partir das ideias de mobilização de recursos nacionais e filantropia comunitária. Na CESE, o foco do trabalho será o fortalecimento e aprendizado coletivo entre organizações do movimento de mulheres do Nordeste. De 28 de junho a 01 de junho, a comunidade prática se reuniu para uma formação em Incidência Política, discutindo pontos para fortalecer o trabalho das organizações.

O programa tem a duração de cinco anos (2021 a 2025) e conta com uma série de atividades: Apoio a projetos; Formação nas áreas de Incidência, Comunicação e Mobilização de Recursos; Encontros temáticos sobre Sustentabilidade, Comunicação Estratégica, Incidência Política e Jurídica; Diálogos Estratégicos com Academia e os Poderes Públicos; Planejamento, Monitoramento e Avaliação, e Sistematização.