Na noite da última sexta-feira (15/12), a CESE reuniu equipe, diretoria, amigos/as e familiares para o lançamento do livro “Zanetti: o guardião do óleo da lamparina”, do jornalista Emiliano José. O título da obra faz menção a um pensamento recuperado por Leonardo Boff: o de que a lamparina guarda sonhos. O seu óleo é o que mantém o fogo aceso – os sonhos vivos. Zanetti foi, durante toda sua vida, um guardião dos sonhos. E a militância não pode jamais deixar de sonhar com um outro mundo possível.

Emiliano e Zanetti construíram uma amizade que nasceu da luta e da resistência contra a Ditadura Militar (1964-1985). Se conheceram na Galeria F da Penitenciária Lemos Brito, em Salvador, em 1968. Nas palavras do próprio Emiliano, o livro tenta algo difícil: definir Zanetti.

“Era um sujeito de muitas facetas. Capaz de amar como poucos. De ternura imensa com as pessoas e capacidade de relação rara. Trabalhava com o convencimento, sem alterar a voz. Ele mergulhou na vida do povo brasileiro, dos excluídos, trabalhadores e trabalhadoras. Compreendeu a diversidade do mundo e do Brasil sem perder a noção de que a libertação desse povo diverso se daria pela luta política”, diz o jornalista.

Emiliano conta que, apesar da dor, não foi difícil escrever o livro – com exceção do primeiro dia. “Eu comecei a escrever no dia que Zanetti faleceu. Escrevia e chorava. Era amor que eu tinha por ele. Está no topo das minhas amizades. Foi, talvez, o meu primeiro amigo. Tínhamos nossas divergências, mas nos completávamos. Eu era da política e ele, da militância social. Especialmente militante dos Direitos Humanos”, finaliza.

De forma pouco linear, o livro tenta recuperar a trajetória de Zanetti desde a infância, falando do menino travesso, até sua juventude atlética, chegando a episódios e características marcantes do militante, como o enfrentamento direto ao regime militar, do casamento ainda preso, em 1972, a sua fuga da prisão em São Paulo e a sua chegada na CESE.

Emiliano pontua: “A CESE foi o seu porto seguro, onde ele pôde juntar a fome com a vontade de comer. Para ele, era um trabalho e realização política. Possibilitava realizar seus sonhos de transformação do mundo, mergulhar entre comunidades, pobres, juventudes, quilombolas. Andou o Brasil fazendo isso. Uma tremenda realização política e pessoal. Feito de um revolucionário”.

Durante a cerimônia, sua filha, Carol Zanetti, deu um depoimento emocionado. “Mesmo doente, ele ainda queria participar de tudo. Sempre pensou mais nos outros do que nele mesmo. Eu me questiono como ele conseguia dar conta de tanta coisa e ainda ser um pai maravilhoso, um avô, um companheiro. Da mesma forma que ele era com os movimentos, era em casa. Ainda hoje, estamos processando a perda do meu pai”.

Eliana Rolemberg, ex-diretora executiva da CESE, pontuou que, para além da saudade, a insistência de Zanetti seguirá em nós para sempre. “Ele queria estar em todas as lives, encontros, mesmo não tendo condições. Nos provocou para que participássemos de tudo. Da luta sindical, pelo meio ambiente. Mas era, sem dúvidas, amoroso. Incapaz de atacar. Argumentava de forma carinhosa, do jeito dele. A saudade é muita, mas ele está conosco.”

Marta Leiro, do Coletivo de Mulheres do Calafate, também falou como Zanetti sempre a acolheu, especialmente em momentos difíceis, e de como sente sua falta. “Eu sempre queria encontrá-lo nas marchas do 8M. Nós segurávamos os netos um do outro. A pandemia interrompeu isso e, quando voltamos, foi o ano de sua partida. Meu coração bateu forte ao perceber que ele não estava junto da equipe CESE naquele momento”.

Reginaldo Bonfim, da Comissão de Articulação e Mobilização dos Moradores da Península de Itapagipe (Rede Cammpi), relembrou a importância de Zanetti para a Rede. “Imagino quantas brigas ele não teve aqui na CESE para poder nos apoiar! Ele tinha um compromisso muito grande e nós temos orgulho de fazer parte da sua história. E nós dissemos isso a ele em vida: você foi muito importante, Zanetti!”.

Dimas Galvão, coordenador do setor de Projetos e Formação da CESE, ressaltou como a sua amizade com Zanetti era grande e relembrou momentos cômicos, representativos da figura divertida que o amigo também era. “Era muito mais que um colega de trabalho. Foi meu melhor amigo. Eu ainda sinto muito a falta dele. O acompanhei quando adoeceu. Era uma pessoa por quem eu nutria amor mesmo, carinho.”

Lucyvanda Moura, assessora de Projetos da CESE, relembrou um gesto gentil do amigo com sua filha, ainda com 10 anos. “Ela teve uma aula sobre ditadura militar e fez um desenho que Zanetti gostou muito. Ele escreveu um texto de páginas e mais páginas para ela falando sobre a sensibilidade daquele desenho. Ela guarda esse texto até hoje. É uma fã de Zanetti.”

Prêmio Zanetti de Direitos Humanos

Durante a mesma cerimônia, a CESE anunciou a realização do “Prêmio Zanetti de Direitos Humanos”, ao longo de 2024. A iniciativa irá premiar experiências emblemáticas na defesa de direitos humanos no Brasil e no enfrentamento a diversas formas de violências, implementadas por organizações da sociedade civil e movimentos populares apoiados pela CESE. No início de 2024 os detalhes da premiação serão divulgados.

O anúncio acontece em uma noite especial de homenagens a José Carlos Zanetti e à sua trajetória de luta e resistência ao lado das populações periféricas, dos movimentos sociais, das juventudes e tantos outros segmentos que atuam na defesa de direitos no Brasil. Dezembro é o mês em que se celebra o Dia Internacional dos Direitos Humanos, causa que balizou toda a vida do nosso Amoroso Revolucionário e eterno membro da equipe CESE.

A diretora executiva da CESE, Sônia Mota, destacou a chegada do Prêmio Zanetti como um momento que marca o encerramento da programação da organização em celebração pelos seus 50 anos, comemorados ao longo de todo o ano de 2023. “Todos que estão aqui hoje foram tocados/as de alguma forma pela trajetória de Zanetti. Nós ainda sentimos a presença dele. Em tudo que fizemos este ano, imaginamos como teria sido poder contar com o seu olhar. Pensamos neste momento lá em janeiro, e é assim que encerramos nossas celebrações: na semana dos Direitos Humanos, homenageando nosso Amoroso Revolucionário. Não podia ser de outra forma, em outra data”.