
“A minha tradição alimenta. Quando o terreiro não tá cozinhando comida pra encher o bucho, é para alimentar a subjetividade.” A fala é de Makota Celinha, coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira. Ela aconteceu durante a Roda de Conversas “Antirracismo e Sistemas Alimentares”, promovida pela CESE virtualmente, nos dias 23 e 24. A iniciativa contou com apoio do Instituto Ibirapitanga.
A Roda buscou debater impactos do racismo nos “sistemas alimentares” de povos do Cerrado, abordando soberania e segurança alimentar, produção agroecológica, comida sem veneno, espiritualidade, entre outros.
A fala de Makota bate de frente com o racismo que persegue os povos de axé. Apesar da sua importância enquanto locais de cura e grandes prestadores de serviços para as comunidades no seu entorno, os terreiros enfrentam diariamente a fúria dos racistas. A sua demonização vai das festividades à cultura alimentar. “Eu sou muito feliz porque o meu sagrado come”, diz a liderança.
“Existe um provérbio que diz: ‘aqueles que não sabem dançar, dizem que as batidas dos tambores são ruins’. O racista não sabe dançar, por isso nos ataca. Têm inveja que a gente reza dançando, cantando. Sou de uma tradição que alimenta o corpo e a subjetividade. Dou uma festa pra alimentar a cidade. É tudo que o racista tenta nos tirar”, complementa.
É a partir dessa relação com a vida que brota da Mãe-Terra que ela se posiciona fervorosa contra o agronegócio e sua lógica de devastação.
“Sempre vamos lutar contra o envenenamento da comida. Eu quero que meu Orixá coma do bom e do melhor. Matou a folha, matou o Orixá. Matou o rio, matou Oxum, Dandalunda. Se não tiver mato, não tem Oxóssi. Macumbeiro preserva. Oxalá o teto dos nossos terreiros fosse a copa das árvores. Estamos nas favelas, nas margens porque nos expulsaram”.
Políticas públicas para comida de verdade
A roda trouxe falas diversas sobre a luta desses diferentes povos por sua soberania e segurança alimentar.
Neiriel Terena, que integra o Coletivo Ambientalista Indígena de Ação para Natureza, Agroecologia e Sustentabilidade (CAIANAS), falou sobre a experiência de formar novas lideranças indígenas e fortalecer sua atuação agroecológica. Alguns agricultores de uma comunidade em que ele atua não acessam, por exemplo, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
“Pensamos formações para esses jovens conhecerem essas políticas e serem multiplicadores dessas iniciativas. Que possam conversar com um agricultor e explicar como como faz um plano de venda, dar garantia de escoamento da produção, da importância da entrada desses agricultores nesses espaços de mercado.”
Um dos desafios enfrentados pelos povos é a burocracia. João Batista, integrante do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), denuncia a marginalização das produções tradicionais.
“O agro tem muito poder; desqualifica a nossa produção e dificulta a disseminação. Ainda temos as feiras livres, mas tem outros espaços que poderia ter uma facilidade maior, garantindo alimentação de qualidade. Produzimos mais de 70% da comida, mas o que aparece nos quadros gerais é um número menor do que a realidade”, pontua o pescador.
Ainda no campo da burocratização, a quilombola Maryellen Crisóstomo, integrante da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), trouxe o exemplo do acesso ao Pronaf Mulher – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
“Estabeleceram que só será acessado por quem já tem histórico de crédito, algo que nos é dificultado. E é isso: vão dizer que disponibilizaram, foi pouco acessado e da próxima vez o recurso destinado ao programa será menor. Mas o ruralista do Rio Grande do Sul tem acesso a credito milionário para plantar soja”.


Facilitação Gráfica por: Marina Nicolaiewsky
O esperançar dos povos
Na manhã do dia 23, a CESE também lançou a publicação “O Esperançar dos Povos”. O texto foi escrito pela jornalista Flávia Quirino, editora regional do Brasil de Fato no Distrito Federal, e conta com organização de Rosana Fernandes e Olga Matos, ambas assessoras de Projeto e Formação da CESE. A construção desse material contou com apoio de Misereor.
“Essa publicação aponta o tempo inteiro para esse individualismo que nos é empurrado. Tentam apartar as pessoas cada vez mais da luta coletiva. Mas a luta não é feita sozinha, ela só se dá coletivamente. As conquistas e direitos só são possíveis através da resistência dos povos em seus territórios,” disse a jornalista.
Construída a partir das discussões realizadas em atividades promovidas pela CESE, esta publicação visa compartilhar um pouco dessa experiência envolvendo Povos do Campo, das Florestas, das Águas e das Cidades. Participaram desses espaços de reflexão coletiva 53 movimentos e organizações do âmbito rural e urbano, de 27 Estados.
A publicação traz um olhar para os desafios e estratégias no esperançar desses diversos povos se propondo a refletir acerca de questões como: Qual a relação entre povos do campo, das águas, das florestas e povos das cidades? O que conecta as lutas desses povos, quais os desafios para uma aliança? As lutas por justiça climática, soberania alimentar, direito à moradia, saúde, luta pela terra são lutas comuns ou desafios?