Da produção de conhecimento à luta por educação e saúde mental: Juventudes se mobilizam durante a pandemia

Em toda a Bahia, o número de jovens que integram o MPP – Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais e estão ingressando em universidades vêm aumentando, segundo a jovem Jeane Sacramento. Uma das razões que impulsionam esse crescimento, ela aponta, tem a ver com desejo de autonomia.

“A gente não aceita mais que nenhum universitário de fora venha colher informações, sendo que, com o tempo, eles não voltam para trazer resultados. Nossa juventude está na universidade, nós somos os/as próprios/as pesquisadores/as da nossa comunidade e falamos da nossa história”, afirma.

Este foi um dos pontos levantados durante a “Roda de Conversa CESE e Juventudes 2021”, realizada no último dia 15, de forma virtual, pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço. O encontro foi uma forma de reunir diferentes grupos de juventudes em um espaço de escuta a partir de suas realidades e experiências e de iniciar diálogos para apoio a pequenos projetos que tenham suas raízes mais profundas nutridas diretamente pelas mãos desses/as jovens.

Essa mesma juventude vem tomando a frente da execução de vários projetos em suas comunidades. Jeane afirma que durante a pandemia, jovens de sua comunidade tocaram projetos de compra e distribuição de cestas básicas, kits de higiene e também troca de alimentos predominantes na cultura local de determinadas regiões e cidades da Bahia, como forma de enfrentar a fome nesse período.

Jeane Sacramento, integrante do MPP

A pandemia, por sua vez, trouxe inúmeros desafios para jovens do campo e das periferias urbanas. O ensino público brasileiro, que já é propositadamente sucateado pelo Estado, viu-se diante de um de seus piores momentos (se não o pior), com a paralisação total das atividades e mais de 1 ano de suspensão das aulas presenciais da forma como estamos habituados/as.

Jovens da periferia de cidades como Salvador e outros/as que vivem nas zonas rurais foram os/as mais prejudicados/as uma vez que o acesso a internet de qualidade nessas regiões é muito mais escasso. A retomada virtual das aulas sequer foi uma realidade em boa parte das escolas públicas, a princípio. É a perda de um direito básico diante de uma situação que já é extremamente caótica por si só.

Dentre os principais desafios vivenciados durante este momento pandêmico, lideranças de diversas frentes de Juventudes destacam a saúde mental como fator para se ter muita atenção. Em um país que mata 63 mil jovens negros por ano, segundo dados do Atlas da Violência divulgados em 2020, a desigualdade social e o racismo estrutural tiram vidas até de um jovem que caminhe munido de um guarda-chuva.

Com medo de morrer pelas mãos do Estado ou infectado por um vírus invisível, com acesso ainda mais prejudicado à educação, saúde, trabalho e renda, a saúde mental é constantemente abalada. Adriana Santos Silva, da ANJF – Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas, reforça a importância que esta pauta tomou dentro de seu grupo. “Precisamos cuidar dessa parte que foi deixada de lado por muito tempo. Dentro da sociedade brasileira já é pouco valorizada.”, enfatiza.

Adriana Santos Silva, integrante da ANJF

Além de gerar novas turbulências sociais, a pandemia chega também para aprofundar desigualdades já existentes, com aumento da violência de gênero, contra a juventude negra e contra pessoas LGBTQIA+. Dentre estas, Matheus Araújo, do MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, fala sobre a repressão policial contra os movimentos sociais.

“A gente tem sentido na pele essa criminalização tanto do Governo Federal quanto dos estaduais. A gente tem enfrentado despejos dentro da pandemia, onde a juventude está muito presente, seja em zonas urbanas ou rurais. Enfrentamos a repressão policial dentro das favelas. Aqui a PM assassinou um jovem – pelas costas – alegando tê-lo confundido com um traficante, como se estivesse tudo ok, neste caso.”, relembra.

Matheus Araújo, integrante do MLB

A luta das Juventudes é por autonomia, garantia de uma educação de qualidade para todas/os e por saúde mental, mas também por reconhecimento. Por acesso a políticas públicas. Acesso aos espaços de tomada de decisão e não somente de execução das decisões de terceiros/as. A luta é por formação, para que a sua luta seja cada vez mais qualificada e politizada. É de combate às desigualdades estruturais, ao racismo, às violências de gênero e contra povos tradicionais.

As Rodas de Conversas

As Rodas de Conversa CESE e Juventudes 2021 é a segunda edição dessa iniciativa. A sua primeira versão foi realizada em 2020 e contou com a presença de jovens de 20 organizações, oportunidade na qual foram apoiados 14 projetos. Este ano, foram 25 envolvidas na ação. Durante o encontro, esses/as jovens relataram seus desafios e também suas ações de respostas durante a pandemia – com projetos para distribuição de cestas básicas,  formações políticas, ações de comunicação, entre outras iniciativas.

A Roda tem por objetivo fortalecer o diálogo e aproximação da CESE com diferentes organizações e expressões de juventudes envolvidas na defesa de direitos, a partir da escuta sobre suas principais demandas, prioridades e contexto que envolvem os diversos grupos e territórios. A ideia é também colaborar com a reflexão da CESE para sua atuação com as juventudes e fomentar iniciativas de fortalecimento das estratégias dos grupos/coletivos através do apoio a projetos.

O encontro teve participação de várias e diversificadas frentes, especialmente das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, do meio urbano e rural, envolvendo, dentre outras, juventude negra, camponesa, indígena, LGBTQIA+, quilombola, de jovens mulheres, de diferentes expressões culturais e de religiosidades.