Entre os dias 10 e 12, a CESE realizou a sua Assembleia, que acontece todo ano no mês de junho, momento em que diretoria institucional e equipe executiva se reúnem e tradicionalmente visitam uma comunidade que enfrenta graves violações de direitos humanos. Na manhã desta terça-feira (11), o grupo se dirigiu ao Quilombo Quingoma, situado em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador.
Quem recebeu a comitiva da CESE foi a liderança quilombola Rejane Rodrigues. Atualmente, ela vive afastada da comunidade diante das ameaças que vinha recebendo e está inserida no Programa de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos na Bahia.
“No auge da ditadura
Surge um sinal de esperança
Uma coordenadoria
Forte como uma aliança
Bem à frente do seu tempo
Cheia de perseverança
Seis igrejas reunidas
Juntas pra fazer o bem
Ajudar quem mais precisa
Valorizando também
Os seus pequenos projetos
Para irem mais além
Um dos quilombos mais antigos do Brasil, a comunidade luta hoje contra a tentativa de extermínio do seu povo, de sua cultura, tradições e do próprio território, em um exemplo escancarado de racismo ambiental e especulação imobiliária violenta.
O Quingoma foi certificado pela Fundação Cultural Palmares em 2013 e está localizado em uma Área de Preservação Ambiental de Mata Atlântica, mas isso está longe de representar alguma garantia de direitos às pessoas que vivem ali. Luz elétrica e água potável são conquistas recentes – cerca de 20 e 12 anos atrás, respectivamente – e não à totalidade das residências.
A comunidade reivindica a titulação do seu território em uma área que corresponde a 1280 hectares, mas, após idas e vindas de um processo que se encontra paralisado judicialmente desde 2015, o Estado quer garantir a regularização fundiária de apenas 280. Ao longo do processo, a comunidade foi sendo fatiada e invadida por grandes empreendimentos e obras de iniciativa do próprio Estado.
E com esse ecumenismo
O serviço está voltado
Pra defesa dos direitos
De quem já foi judiado
Vulneráveis, excluídos
Também marginalizados
Uma delas foi a Via Metropolitana. Construída sob a justificativa de desafogar a Estrada do Coco, a rodovia corta o Quilombo e segrega parte do seu território tradicional. Quando da sua construção, foram frequentes as cenas de animais carbonizados – antas, jacarés, tamanduás. Árvores centenárias foram derrubadas dando início a um ciclo de extração ilegal de madeira. São cinco rios mortos desde o início das invasões, afirma Rejane.
Atualmente, um bairro planejado está sendo construído em outra parte do território, visando atender um público de classe média alta. Esta obra foi embargada pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), mas as lideranças alegam que a empresa responsável não segue a decisão porque não há fiscalização.
Inaugurado em 2022, o Hospital Metropolitano foi construído em cima da Trilha do Alecrim, caminho pelo qual a comunidade transportava seus/suas ancestrais para serem sepultados/as em Areia Branca, dada a ausência de cemitério na comunidade. Também há um lixão dentro do Quilombo. Outros condomínios residenciais foram construídos no interior do território, há chácaras e diversas casas e terrenos à venda.
“A cidade de Lauro de Freitas não tem mais para onde crescer, por isso estão invadindo o nosso território por todos os lados”, afirma Rejane. A comunidade não foi consultada antes de nenhuma dessas obras. Para ela, essa é uma das estratégias que vem sendo utilizadas para enfraquecer a comunidade e forçar a perda de território, mas não é a única.
Então ser politizado
Se torna fundamental
Apoiar quem mais precisa
É seu diferencial
Juntas em um só propósito
Se fazendo crucial
“Dividiram nossas terras com a estrada. Colocam a opinião pública contra nós ao construir um Hospital dentro do nosso território. Eles tentam enfraquecer nossa identidade de todas formas. Nos oferecem políticas públicas em troca de nossas terras, criam divergências internas, forçam pessoas a sair da comunidade para buscar os direitos que não temos aqui. As pessoas têm que escolher qual refeição fazer ao longo do dia, pois perderam suas produções com a construção desses condomínios”.
A comunidade também denuncia o racismo religioso sofrido e a falta de apoio de igrejas locais situadas no Quilombo. A igreja católica que foi construída e historicamente liderada por mulheres quilombolas, hoje tem um novo padre e ele quer impedir a realização do samba de roda tradicional no espaço da igreja e até mesmo a utilização de turbantes lá. Outras lideranças afirmam que “o estado é perverso, retiram nossa identidade para ficarmos à mercê da violência”.
Segundo levantamento divulgado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a ong Terra de Direitos, a Bahia é o segundo estado brasileiro que mais mata quilombolas. No contexto geral do Brasil, as principais causas dos assassinatos são conflitos por terra e feminicídio e 69 % deles foram registrados em quilombos que não foram titulados.
Em defesa da justiça
Também da democracia
No cuidado, na escuta
Em uma só sintonia
Da força comunitária
Da fé, amor e empatia
Carta da Assembleia e participação das igrejas
A visita a comunidades que enfrentam graves violações de direitos é uma tradição das Assembleias da CESE. Um dos seus intuitos é aproximar as igrejas que compõem a CESE da luta dos movimentos populares, além de proporcionar que essas lideranças reverberem os relatos das comunidades em suas igrejas. No momento de partilha, o sentimento relatado pela maioria das/os participantes foi de impacto.
Participaram da 51ª Assembleia Geral Ordinária da CESE enquanto representantes da Aliança de Batistas do Brasil: Pastora Camila Leite Oliver, Sra. Josileide José dos Santos e Sra. Gilvaneide José dos Santos; pela Igreja Católica Apostólica Romana: Diácono Luciano Lima Santana, Sra. Maria Della Giustina, Pe. Marcus Barbosa Guimarães; pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil: Bispa Magda Guedes Pereira, Sra. Christina Takatsu Winnischofer e Bispo João Câncio Peixoto Filho; pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil: Pastor Renato Küntzer, Pastor Günter Bayerl Padilha e Pastor Sidney Retz; Pela Igreja Presbiteriana Independente do Brasil: Presba. Eleni Rodrigues Mender Rangel, Rev. Carlos Roberto Pereira da Silva e Rev. Jurandi Abreu dos Santos; e pela Igreja Presbiteriana Unida do Brasil: Rev. Cláudio Márcio Rebouças da Silva, Rev. Francisco Benedito Leite e Presbítera Anita Sue Wright Torres. Também estiveram presentes, enquanto organismos convidados:
A Sra. Camila Veiga de Oliveira, da Associação Brasileira de ONGS (ABONG), a Pastora Romi Márcia Bencke, do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (CONIC), a Sra. Jucineide de Souza Almeida, do Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs (CEBIC) e a Sra. Julia Esther Castro França, do Processo de Articulação e Diálogo (PAD).
A Pastora Camila Oliver (ABB) reforçou a necessidade das igrejas se fazerem presentes na defesa das comunidades que sofrem violação de direitos, mas também de fortalecer a autonomia desses povos. “Nossas igrejas precisam ser essa possibilidade de dar visibilidade às mulheres quilombolas. Ir até onde seus corpos não podem entrar, mas apenas para abrir as portas. Nós estamos no Brasil inteiro. É uma forma de protegê-las. O rosto do sagrado, na Bahia, é o das mulheres. Mas o de mártires também.”
A Bispa Magda Guedes (IEAB) reforça o quão cruel é a estratégia utilizada pelos poderosos de criar divergências entre pessoas da comunidade. “É colocar o oprimido contra o oprimido. Pessoas que também são vítimas estão sendo culpadas de algo que é de responsabilidade do Governo”.
O grupo também se reuniu para escrever a tradicional Carta da Assembleia, que será traduzida e enviada a mecanismos nacionais e internacionais de Direitos Humanos. Leia a Carta da Assembleia aqui.
E neste ano completa
Mais um ano de serviço
Já se fazem cinco décadas
Firme no seu compromisso
Transformar realidades
E muito bem se faz isso
Nova diretoria
A 51ª Assembleia da CESE também marcou o momento de eleição da nova Diretoria Institucional e Conselho Fiscal, para o triênio 2024-2027. A nova Presidenta será a Presbítera. Anita Sue Wright Torres, da IPU.
”Sei que não estarei sozinha nesta função, porque o trabalho da CESE é realizado em equipe. Conto com a Diretoria Institucional e com toda a equipe executiva da CESE. Estou muito feliz de compor este grupo. Que possamos seguir contribuindo com a missão da CESE, que há 50 anos, já faz com excelência”, afirmou. Anita Wright é filha do Reverendo presbiteriano Jaime Wright, expoente do movimento ecumênico, defensor dos direitos humanos e um dos fundadores da CESE, em 1973.
A Presbítera Eleni Rangel, da IPI, que deixa a presidência, agradeceu pelo tempo que liderou a equipe CESE.
”Gratidão a Deus pela força e a todo colegiado que compõem a Diretoria pelo companheirismo, apoio e por todas as contribuições incondicionais prestadas neste período que assumi a Presidência em função do afastamento da querida e guerreira Pastora Helivete Ribeiro”.
A Diretoria ficou assim constituída: o Vice-Presidente será o Pastor Renato Küntzer (IECLB); a Sra. Gilvaneide José dos Santos (ABB) foi eleita Primeira Secretária; Pe. Marcus Barbosa Guimarães (ICAR) será Segundo Secretário; o Primeiro Tesoureiro será o Bispo João Câncio Peixoto Filho (IEAB); a Segunda Tesoureira será a Presbítera Eleni Rodrigues Mender Rangel (IPI).
Manter a integridade
Da nossa casa comum
É defender os direitos
E nunca negar nenhum
E assim trabalha a CESE
Se gostou, seja mais um.
Para o Conselho Fiscal, ficam eleitos/as Pastor Sidney Retz (IECLB), Bispa Magda Guedes Pereira (IEAB) e Pastora Camila Leite Oliver (ABB). Conselheira Suplente será a Sra. Maria Della Giustina (ICAR).
A Assembleia também aprovou por unanimidade o Relatório Institucional e Financeiro da CESE, referente ao ano de 2023.
‘’Quando recebo o relatório no Conselho Fiscal não vejo números, vejo ações e as pessoas que foram apoiadas pelo esforço da CESE em várias iniciativas pelo país. É um resultado muito sério e positivo que reflete a compromisso da organização com as lutas populares’’ ressaltou a Srta. Josileide José dos Santos (ABB).
Leia aqui o Parecer do Conselho Fiscal.
*Cordel de Luis Eduardo Alves (@luis.edualves)