Gênero e Raça no Cerrado: Oficina analisa como capitalismo, patriarcado e racismo estruturam conjuntura brasileira

O capitalismo, o racismo e o patriarcado estão intimamente interligados. São pilares que sustentam a existência um do outro. As desigualdades sociais permanecem porque mulheres e populações negras vêm sendo sistematicamente excluídas. Portanto não há luta anticapitalista desassociada das questões raciais e de gênero, pois elas são funcionais ao sistema de acúmulo de riquezas de um em detrimento de outros.

Essas foram algumas das premissas trazidas por Michela Calaça, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), para os debates da Oficina Gênero e Raça no Cerrado, realizada pela CESE, em parceria com HEKS-Eper, entre os dias 26 e 28 de abril. Ela falou sobre como estes três elementos formam o sistema que estrutura nosso dia a dia e se evidenciam ainda mais na atual conjuntura.

Michela fez um traçado dentro da história mostrando como essa relação vem se perpetuando há séculos.  “Para compreender a conjuntura atual de desigualdade, é fundamental entender a colonização, pois é nesse período que homens e mulheres negras são escravizadas, territórios indígenas são atacados para que uma outra população – branca e europeia – pudesse acumular riquezas – ouro, especiarias, madeira”, afirma.

Ela pontua que já existia uma lógica patriarcal trazida pelo colonialismo para a nossa região. “Basicamente vieram homens invadir nosso território, atacando mulheres indígenas e negras, para além do trabalho, estuprando-as até mesmo para aumentar em número essa população ‘trabalhadora’”, denuncia.

Michela relembra que as populações negras escravizadas passaram mais de 300 anos construindo a riqueza do Brasil sem receber nenhum tipo de recompensa e o fato de não haver de reparação alguma no momento de abolição para destacar outro caráter cruel e racista desse capítulo da história brasileira: mesmo após o fim da escravidão, quem passou a ocupar os postos de trabalho foram outras pessoas brancas, também trazidas da Europa e em outras condições.

Segundo a ativista do MMC, é nesse momento que se ampliam as periferias urbanas, pois é quando começam as perdas de territórios. “O ataque a quilombos, a expulsão e assassinato dos povos indígenas. Os trabalhos mais bem remunerados vão para homens brancos. E ai veja o quanto é importante roubar os territórios. Porque o principal meio de produção é a terra. Então expulsam essas pessoas do território, as empurram para um lugar onde não há garantia de sobrevivência, e aí as explora a partir do salário”.

E daí a importância da reparação. “Um dos pontos principais é a demarcação de terra, reforma agrária pra que a gente consiga de fato avançar. Mas as outras como cotas em universidades, em concursos públicos, acesso a educação contextualizada são fundamentais e a gente não tem que ter dúvida. Porque muito da riqueza desse país foi produzido a base da exploração do povo negro sem haver reparação nenhuma”, reforça.

Momento de partilha entre os grupos

Durante os dois primeiros dias da Oficina, todos/as os/as participantes foram divididos em grupos. Algumas perguntas nortearam os debates dentre eles, com: Como percebemos as desigualdades de gênero na família e na comunidade na vida de mulheres e homens? ; como o racismo acontece nos territórios e afeta a vida da população negra e indígena?; como o capitalismo se expressa nos territórios e afeta especificamente a vida de: mulheres; homens; da população negra e indígenas.

Celiane Terena, integrante do Conselho Terena, pontua que os povos indígenas aprendem cedo a lidar com essa o racismo. “A gente sofre isso em qualquer lugar que a gente for porque nós, povos indígenas, somos vistos como pessoas que não têm muito o que contribuir com a sociedade. Nós temos muito o que contribuir sim em relação a conhecimento, à preservação da natureza. Quando eu entrei na faculdade de direito eu sofri muito com isso. Eles não querem ver a gente ocupando nossos espaços”.

Holdry Oliveira, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), ressalta que ocupar os diferentes espaços de poder, de decisão, de negociação é fundamental. “A gente tem que contribuir para que pessoas do nosso meio possam ocupar os lugares que nos foram tirados. A exemplo da política. Nós não somos homens brancos hétero. Nós somos mulheres negras, somos cis ou trans e estar nos espaços que nos excluíram é resistir a essa opressão”, conclui.

Rosana Fernandes, Assessora de Projetos e Formação da CESE, pontua que a reflexão sobre as questões de gênero e raça dentro das organizações são extremamente importantes. “Nós, os não-brancos, indígenas e populações negras somos as principais vítimas do racismo institucional, ambiental, fundiário e ouvir as organizações é acessar as estratégias de enfrentamento, de resistência e luta.”