Liderança do MAB sofre perseguição e ameaça de morte

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) teme o assassinato de Ana Flávia Nascimento, de Jaci-Paraná, distrito de Porto Velho, capital de Rondônia, que sofre com ameaças de morte desde 2016, no contexto da ampliação do reservatório da usina Hidrelétrica de Santo Antônio, que gerou conflitos na região.

A situação vivida por Ana Flávia reflete o histórico do Brasil de defensores/as de direitos humanos assassinados/as por conta de conflitos no campo, com o aumento do número de violência contra as mulheres. Segundo dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, da Comissão Pastoral da Terra, 482 mulheres foram vítimas de violência, sendo 36 ameaçadas de morte, número mais alto desde 2008.

Para que a luta por direitos de Ana Flávia não entre para essas estatísticas, o  MAB exige que o Estado realize todas investigações necessárias e garanta a efetiva proteção da vítima que vêm sendo ameaçada devido a sua atuação como defensora dos direitos humanos das populações atingidas por barragens do rio Madeira.

Confira abaixo o relato de ameaças contra a vida Ana Flávia Nascimento pelo MAB:

Relato das Ameaças contra Ana Flávia Nascimento, militante do MAB em Rondônia (14/11/2019).

Para todos e todas que se preocupam com a vida e com a justiça, nós do Movimento dos atingidos por Barragens, apresentamos com preocupação os relatos das ameaças e intimidações contra Ana Flávia do Nascimento.

Identificação

Ana Flávia Nascimento, mulher, brasileira, negra, nascida na cidade de Recife (PE) em 05/04/1973, mãe de 4 filhos, vó de 3 netos, auxiliar de serviços em saúde, é militante do Movimento dos Atingidos por Barragens no Estado de Rondônia e é liderança comunitária no Distrito de Jaci Paraná, localidade atingida pelas usinas do rio Madeira, localizada entre as duas hidrelétricas, Jirau e Santo Antônio, onde participa do MAB desde 2013.

Histórico

Os grandes impactos sociais, econômicos, ambientais e culturais provocados pela implantação dos megaprojetos instalou grandes conflitos na região. As comunidades foram afetadas de diversas maneiras, áreas de terra se tornaram alagadas, o solo em muitos pontos permanece encharcado, comprometendo as atividades agrícolas e agroextrativistas, a floresta está morrendo com a expansão do reservatório, os pescadores e pequenos garimpeiros tiveram suas atividades de sustento ceifadas, a elevação do nível do lençol freático provocou a contaminação das fontes de água para consumo humano, a expansão da população provocada pela migração gerou aumento nos índices de violência, em especial contra mulheres e crianças, assim como aumentou o número de dependentes químicos e moradores de rua.

Depois de 10 anos do início das obras, as comunidades continuam lutando para garantir os seus direitos e Flávia vem ficando cada vez mais exposta devido a sua atuação permanente e insistente em defesa das famílias atingidas, vem realizando denúncias, participando de audiências, reuniões e protestos para pressionar o Estado e as empresas.

Um projeto recente do Governo Federal ampliou a Usina de Santo Antônio, alteou em 0,80m a cota de operação do reservatório e adicionou mais 6 turbinas, porém isto foi diante de um enorme passivo que ainda não foi sanado. As comunidades lutaram contra o aumento do reservatório, cobrando a resolução dos problemas pendentes. Essa luta teve alguns momentos de acirramento e justamente nesses momentos que Flávia passou a sofrer ameaças diretamente contra a sua pessoa. Para aprovar o projeto a empresa contou com o apoio de agentes locais, que tinham interesse na aprovação para acessar os recursos de compensação social e outros. Essa relação da empresa com os políticos da região tornou a situação ainda mais perigosa.

 Algumas notícias relacionadas:

Recomendações do CNDH sobre Jaci Paraná no relatório abaixo:

https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/participacao-social/conselho-nacional-de-direitoshumanos-cndh/RELATRIOFINALRONDONIA_comanexos.pdf

Documentário – Jirau e Santo Antônio: relatos de uma guerra amazônica:

  • https://www.youtube.com/watch?v=ZFQ11fri3vs

Ameaças

Em 2016, período que a comunidade se mobilizava contra a aprovação do IBAMA ao projeto, Flávia sofreu dois atentados na BR 364, entre Jaci Paraná e a cidade de Porto Velho. Duas vezes uma camionete tentou lançar Flávia em sua moto para fora da estrada.

Depois, no período em que se tratava da aprovação de uma lei complementar na assembleia legislativa para permitir o aumento do lago, a casa de Flávia foi invadida, três vezes, em uma delas foi deixada uma faca em cima de sua cama como sinal de ameaça, além de um preservativo masculino.

Também foi seguida na própria comunidade por um policial que a estava filmando. Recentemente, antes de uma denúncia na audiência pública realizada para reelaboração do plano diretor, Flávia novamente foi seguida na estrada e pessoas estranhas foram procura-la em sua residência, querendo tirar dela informações pessoais.

Em 4 de abril de 2019, a casa onde permanecia com seus netos e filhos foi rodeada por um carro tipo Voyage, duas motos e um indivíduo a pé. Quando uma das motos se posicionou na parte de trás da casa e os demais se aproximaram do portão da frente a polícia militar foi chamada e os elementos foram dispersados. Porém ninguém foi identificado.

Devido a insegurança em sua residência, Flávia mudou de casa em Jaci Paraná para um local mais seguro, onde foram instaladas câmeras de vigilância, porém antes da instalação do equipamento, no início de maio, foram cortados os fios da cerca elétrica.

Na noite do dia 25 para 26 de julho, uma das chaves da Unidade Básica de Saúde onde Flávia trabalha no plantão noturno foi subtraída, o que pode indicar uma ação de antecipação de um atentado contra ela.

Nos dias 16 e 20 de setembro sua casa foi rodeada por uma pessoa não identificada em uma motocicleta com placa também não identificada.

Nos dias 12 e 23 de outubro a unidade de saúde onde trabalha foi rondada por um carro cinza do tipo Siena com vidros escuros. No primeiro dia 12 isso ocorreu por cerca de 15 minutos e no dia 23 isso ocorreu por cerca de 30 minutos. Nas duas situações o carro permanecia parado em frente a unidade, ou passava lentamente, sem abrir o vidro, ou sem qualquer pessoa descer do carro.

No dia 31 de outubro, um carro cinza, de tipo não identificado e como vidros escuros rondou a casa de Flávia, a polícia somente chegou ao local pouco tempo após o veículo sair da área.

Para piorar a situação o Governo do Estado de Rondônia decidiu fechar a base da Polícia Militar que ficava no distrito de Jaci Paraná e a comunidade passou a ser atendida pelo policiamento de Nova Mutum. Como se já não fosse grave o suficiente, o Estado também está fechando a delegacia de polícia em Nova Mutum, de maneira que o delegado que estava responsável por acompanhar o caso de Flávia foi transferido para outro município, deixando o inquérito sem delegado responsável até o presente momento.

O caso de Ana Flávia foi discutido pela 15ª Reunião Extraordinária do Conselho Deliberativo do PPDDH, que concluiu por sua inclusão ao programa de proteção, pelo nexo causal entre sua militância na defesa dos moradores do Distrito de Jaci-Paraná, por meio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a situação de risco e ameaça.

Histórico da Região

A região do Alto Madeira tem terrível histórico de violência contra defensores de direitos humanos. Em 2016, na mesma região assassinaram a liderança do MAB, Nicinha. Recentemente foi baleado o presidente da Associação de Jaci Paraná, Carlos Alberto Jesuíno, que se encontra desaparecido. Também permaneceram por certo período recebendo ameaças de policiais na região, as lideranças do MAB em Nova Mutum, Ludma e Índia, que não moram mais na comunidade. A atuação da pistolagem deixa marcas na região, promovendo chacinas e intimidações.

Que este relato possa ser difundido para garantir a efetiva proteção da vida de Ana Flávia e a continuidade de sua luta junto aos moradores de Jaci Paraná e aos demais atingidos e atingidas do rio Madeira por Justiça e por direitos.

 Águas para a Vida! Não para a morte!