No dia 1º de outubro, foi realizada a atividade virtual “Roda de saberes: Mulheres do Cerrado, rumo à Marcha das Mulheres Negras”, que reuniu 54 mulheres do Cerrado em uma roda de conversa para reafirmar seu compromisso com a reparação histórica e a construção do Bem Viver dentro e fora de seus territórios. Promovida pela Cese construída em parceria com a Articulação de Mulheres do Cerrado e Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, apoiada por Heks, a roda abordou temas essenciais à luta das mulheres negras por justiça social, territorial e ambiental.
A atividade teve como foco central a atuação das mulheres negras na sustentação da vida, na denúncia das desigualdades estruturais e na defesa dos seus corpos e territórios. Destacando o papel estratégico da Marcha das Mulheres Negras como uma potência política e estratégica fundamental para a luta das mulheres negras no Brasil.

Reparar é reconhecer e agir
Durante a roda, foi ressaltado que a reparação histórica deve ir além de medidas simbólicas e traduzir-se em ações concretas, tais como o acesso a políticas públicas efetivas, a segurança alimentar, a justiça ambiental e o combate ao racismo institucional.
As participantes destacaram a violência do racismo ambiental, evidenciada pelo impacto desproporcional do agronegócio, do desmatamento e do uso de agrotóxicos nas comunidades negras do Cerrado. Denunciaram também o racismo estrutural que afeta a saúde, a educação e a segurança dessas comunidades, enfatizando a necessidade de políticas públicas específicas para garantir a dignidade e os direitos das mulheres.
Brígida, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Maranhão, destacou que o racismo estrutural atravessa todas as instituições e se expressa de forma cruel nos territórios: “O racismo institucional nos limita, nos priva de direitos, reduz nossas possibilidades de intervenção. A gente resiste diariamente, mas há companheiras que não conseguem estar conosco nas marchas, estão aprisionadas em trabalhos domésticos, precarizadas, sem reconhecimento.”
Ela lembrou o caso de Sônia Maria de Jesus, mulher negra e com deficiência, mantida em situação análoga à escravidão dentro da casa de um desembargador. A história ecoa as muitas violências naturalizadas contra mulheres negras, e mostra como a luta precisa ser constante.
Também se discutiu o racismo na saúde pública, onde a dor das mulheres negras é frequentemente invisibilizada ou negligenciada. Como afirmou Brígida:

“Dizem que a gente tem mais resistência à dor, negam o cuidado, nos deixam sofrer mais. A nossa saúde exige políticas públicas específicas, e elas quase nunca chegam.
O Bem Viver é um direito ancestral
Maria Rodrigues, do assentamento Remansão (TO), trouxe uma denúncia urgente: a destruição do Cerrado, especialmente dos pés de cajuí, uma planta nativa e de grande valor para a comunidade: “Aqui no assentamento estão arrancando tudo. As árvores estão sendo destruídas e nós, mulheres, ficamos de mãos atadas.Às vezes temos medo de falar contra quem tem poder.”
O desmatamento, a grilagem e o avanço do agronegócio foram identificados como formas de racismo ambiental, práticas que, sob o pretexto do desenvolvimento, atacam o modo de vida dos povos tradicionais, expulsam comunidades e destroem a biodiversidade.
O Bem Viver foi reafirmado como um direito ancestral, que envolve o acesso à água, à terra, à alimentação saudável, à moradia, à cultura e à espiritualidade. As mulheres negras do Cerrado não apenas resistem às violações históricas e contemporâneas, mas também promovem a reconstrução, o replantio e a reexistência em seus territórios.
Rumo a Marcha
O encontro também ecoou os preparativos ruma a Marcha das Mulheres Negras como uma potência política, estratégia fundamental para a articulação entre campo e cidade, diferentes gerações e territórios. Essa mobilização é reconhecida como uma expressão coletiva de enfrentamento e construção de novos modos de viver e relacionar-se com a terra, com as pessoas e consigo mesmas.
É um espaço que reafirma o compromisso com a luta contínua por reparação e pelo Bem Viver, que se expressa nas ruas, nas comunidades, nas feiras, nas cozinhas, nas roças e nos quintais do Cerrado e de todo o Brasil.
Janira Sodré, da organização Pretas de Angola, destacou que a marcha é uma estratégia política transnacional, que conecta resistências locais à luta global contra as opressões racista, patriarcal e capitalista:

“A justiça climática e ambiental é sobre as nossas vidas e nossos corpos como territórios ameaçados por essa escala de destruição. O Bem Viver é mais do que um conceito, é a experiência dos nossos ancestrais: festa, comida, abraço, tempo para estar com quem amamos.”
Janira lembrou ainda que os sistemas de opressão querem as mulheres tristes e isoladas, mas que a organização das mulheres negras é, por si só, um ato de alegria e resistência: “Organizar a raiva, cultivar a alegria. É isso que fazemos na marcha. É o nosso lugar de fabular futuros possíveis. Porque se o futuro é ancestral, nós estaremos nele.”
O encerramento da roda reforçou que reparação não é apenas uma pauta histórica, é uma urgência viva. O Bem Viver, com terra, água, saúde, cultura, espiritualidade e dignidade, é um direito que precisa ser garantido agora!
As mulheres negras do Cerrado seguem em marcha, replantando esperança, reexistindo na força da coletividade, e honrando o legado de suas ancestrais.