Mulheres indígenas avaliam e projetam o futuro no Encontro de Encerramento do Patak Maymu

Mulheres indígenas da Amazônia e do Cerrado se reuniram em Brasília em mais um encontro Patak Maymu, reforçando o protagonismo das mulheres e a incidência política rumo à COP 30.

Entre os dias 24 e 26 de setembro, 23 mulheres indígenas de 14 povos diferentes, representando 13 organizações, se reuniram em Brasília para o Encontro de Encerramento e Avaliação do projeto Patak Maymu. A atividade, realizada pela CESE com apoio da União Europeia, marcou um momento de celebração e de projeção de novos caminhos para o fortalecimento das mulheres indígenas no Cerrado e na Amazônia.

As atividades tiveram início com cantos e rituais de abertura. No primeiro dia, aconteceu a construção coletiva de memórias por meio da linha do tempo “Rio de Memórias –Patak Maymu”, que resgatou os três anos de atuação do projeto.

Crise climática e gênero

Ainda no primeiro dia, Val Munduruku, presidenta da Associação de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós-PA, conduziu uma reflexão sobre a participação indígena nas lutas climáticas, trazendo debates sobre a COP 30, a Cúpula dos Povos e o enfrentamento às falsas soluções.

As participantes reforçaram a relação direta entre crise climática e aumento da violência nos territórios. A indígena vereadora, Awju Krikati, da Articulação das Mulheres Indígenas do Maranhão (AMIMA)- MA, destacou: “De violência verbal, de violência psicológica, são tantas violências que as mulheres sofrem. Um exemplo é quando as mulheres vão pescar em territórios ainda ocupados por não indígenas, e são agredidas verbalmente ao tentar atravessar as fazendas. Isso tudo afeta também o emocional da mulher. Essas violências, diretas e indiretas, estão relacionadas à crise climática, que inclusive tem ocasionado feminicídios. No Maranhão, o primeiro caso de feminicídio registrado em 2025 foi de uma mulher indígena. Isso mostra como a crise climática e os conflitos territoriais têm impacto direto sobre nossas vidas e corpos.”

Na mesma linha, Jaciara Borari da Associação de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós-PA, reforçou a relação entre crise climática e insegurança alimentar:

“A falta de alimentação adequada para as crianças também é consequência da escassez de sementes, das secas e das cheias extremas. Isso impacta tanto a alimentação quanto a saúde e prejudica também a produção de artesanato, que garante renda e trocas para as mulheres. A sabedoria ancestral sobre o ciclo da roça, os períodos de chuva e de seca, está se perdendo, e isso atinge diretamente a educação ancestral e o modo de vida das mulheres indígenas.”

A profundidade da crise foi traduzida pela fala de Socorro Baniwa, coordenadora da Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas- Makira E’TA , que chamou atenção para a dimensão global do problema:

“As mudanças climáticas não afetam só os povos indígenas, mas o mundo todo. Quando vamos para a rua ou para a mídia, não falamos só de nós, mas de todos. Dinheiro nenhum vai nos dar água ou alimento. A gente não vive sem terra, sem água e sem comida, isso é nossa sobrevivência. E quando dizem que são os empresários do agronegócio que alimentam o Brasil, é mentira. Eles produzem para fora, para enriquecer seus bolsos, enquanto o Brasil paga cada vez mais caro pelo alimento. Quem realmente sustenta a vida são os povos e suas formas de produção ligadas à terra.”

Sustentabilidade e fortalecimento institucional

No segundo dia, as discussões giraram em torno da sustentabilidade e do fortalecimento institucional. O debate contou com Dimas Galvão, Coordenador do setor de projetos e formação da Cese e Francineide Marinho, Gerente Administrativo-Financeira do Fundo Indígena do Rio Negro (FIRN), que compartilharam experiências sobre fundos indígenas e estratégias de financiamento.

Gael Ferreira, do setor administrativo-financeiro da CESE, apresentou orientações sobre a habilitação no PADOR/UE (Potential Applicant Data On-Line Registration), um sistema online da Comissão Europeia que reúne informações detalhadas sobre organizações interessadas em se candidatar a subsídios e projetos financiados pela União Europeia. Esse banco de dados tem como objetivo centralizar e validar os dados institucionais das organizações, funcionando como etapa obrigatória de registro para participação em editais e programas de financiamento da União Europeia.

À tarde, o diálogo destacou a autonomia econômica das mulheres indígenas e foi seguido de uma feira de artesanato e noite cultural com apresentações das Suraras do Tapajós, Beatriz Tuxá e Anna Terra Yawalapiti.

A programação contou ainda com uma oficina de sistematização gráfica, que resgatou a comunicação pela arte como ferramenta política. A atividade demonstrou como o grafismo e a cultura indígena podem transformar relatórios e documentos complexos em materiais acessíveis às comunidades.

Justiça Climática e incidência rumo à COP 30

O debate sobre a 30ª Conferência das Partes da ONU (COP 30), que será realizada em Belém/PA, trouxe a urgência de estratégias de incidência política. Val Munduruku compartilhou sua trajetória nesses espaços:

“Já participei das COPs 25, 26 e 27, e hoje percebo o quanto avançamos em termos de articulação e visibilidade. Na minha primeira conferência, não havia ninguém debatendo sobre meu território. Nossa presença nesses espaços é fundamental para que nossas vozes sejam ouvidas e nossas narrativas de base reconhecidas.”

Foi consenso que a presença indígena na COP 30 é essencial para cobrar compromissos do Norte Global, inserir a bioeconomia indígena nos textos oficiais de negociação e ampliar a formação política de mulheres e jovens para fortalecer sua participação em espaços de decisão.

Olhar para o futuro: financiamento e inovação

Para garantir a sustentabilidade das ações, o encontro reforçou a necessidade de fortalecimento institucional. Foram apontadas como prioridades: Estrutura documental: manter CNPJ ativo e balanços contábeis atualizados para acessar fundos internacionais, como os da União Europeia. Aproveitamento do cenário global: utilizar o protagonismo da pauta climática (ESG) como oportunidade para mobilizar novos financiamentos.

As lideranças celebraram os avanços trazidos pelo Patak Maymu, reconhecido como um projeto que ofereceu apoio, respeito à diversidade e fortalecimento da organização das mulheres indígenas. Ao longo de três anos, o projeto apoiou pelo programa de pequenos projetos, 65 iniciativas de 53 organizações, alcançando 20.681 pessoas, sendo 12.100 mulheres e 4.634 jovens.

Patak Maymu: a voz da natureza

O projeto Patak Maymu, que significa “A Voz da Natureza”, fortaleceu a autonomia e a participação das mulheres indígenas da Amazônia e do Cerrado na defesa de seus direitos.

Mais do que um encerramento, o encontro foi entendido como a abertura de novos ciclos de resistência, incidência e fortalecimento das mulheres indígenas na defesa de seus territórios, de seus direitos e da vida.

O Encontro de Encerramento do Patak Maymu conclui um ciclo vitorioso, mas deixa plantada a certeza de que as mulheres indígenas continuarão mobilizadas para garantir que suas vozes e demandas sejam vistas, ouvidas e incluídas nas decisões sobre o futuro do planeta.