Relator da ONU: ‘Não dá para tratar a água como direito em vez de mercadoria?’

A falta de um acordo internacional que determine a água como direito humano fundamental, com peso para forçar os governos a formular políticas para garantir o acesso de todos à água de qualidade, especialmente as pessoas mais pobres, não é justificativa para que deixem de trabalhar nesse sentido. “A resolução da ONU que reconhece a água como direito humano fundamental, interpreta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como o 25, que fala do padrão mínimo de vida, e que tem um desdobramento no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Como a maior parte dos países assinaram, aderiram, isso torna vinculante o direito à água e ao saneamento. É claro que muitas fontes podem financiar, mas o país tem de reconhecer esse direito, independentemente de estar na sua Constituição”, afirmou o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à água e ao saneamento, o brasileiro Léo Heller.

O debate do qual participou é o único do 8º Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília, a tratar a questão. A extensa programação do encontro que começou oficialmente na última segunda-feira (19) e termina no dia 23, é voltada sobretudo a temas técnicos, econômicos e políticos com viés comercial. É por isso que os movimentos sociais e sindicais, que desde o dia 17 realizam o Fórum Alternativo Mundial da Água – Fama 2018, afirmam que o evento oficial é palco de “negociatas” entre o governo de Michel Temer e empresas como a Nestlé, Coca Cola e Ambev, entre outras, com interesses em aumentar o controle sobre as fontes de água.

Heller terminou sua participação estabelecendo uma conexão entre o Fórum oficial e o alternativo. “Há um fórum alternativo sendo realizado aqui do lado, cujo slogan é ‘água é um direito, não mercadoria’. Sem querer entrar no mérito da verdade do slogan, eu gostaria de fazer uma provocação: Não dá para tratar a água como direito e não como mercadoria?”, questionou o relator, que é pesquisador do Centro de Pesquisa René Rachou, da Fiocruz em Minas Gerais.

O debate coordenado pelo brasileiro discutiu as mudanças institucionais necessárias para estabelecer os direitos humanos à água e ao saneamento, como a mobilização do financiamento sustentável.

O diretor executivo da organização Dalit Welfare, do Nepal, Anupkamal Bishwakarma traçou o panorama do acesso à água de qualidade no seu país. “A falta de água é um grande problema, que tem de ser enfrentado. No meu país, as diferentes castas têm acessos diferentes à água. A casta dos dalit, a mais inferior, não recebe a mesma água que os da classe dominante, que fica com a água pura. Os dalit ficam também com as piores escolas e o pior atendimento de saúde”, disse.

De acordo com Bishwakarma, o recente processo de democracia no Nepal, a partir de 2006, com um governo de coalizão, vem aos poucos melhorando a vida das pessoas mais pobres. “A segregação ainda é muito grande, mas a democracia que conquistamos vem permitindo melhorar o nosso status como seres humanos”, disse.

Já nos países árabes como Líbia, Síria, Iêmen e Somália, afetados por conflitos e praticamente sem estrutura de abastecimento hídrico, o desafio é maior, segundo o Conselho Árabe para a Água. A entidade vem lutando para inserir o direito à água de qualidade e combater o monopólio, além de melhorar a regulação.

Fonte: Rede Brasil Atual