Seminário reúne lideranças de comunidades tradicionais para debater o esperançar nos territórios

Depois de quatro anos de ataques sistemáticos à democracia e ao Estado de Direitos, os movimentos sociais e a sociedade civil organizada encaram o ano de 2023 como de renovação da esperança, ainda que diante de inúmeros desafios. Foi movida por essa urgência que a CESE realizou nos dias 1 e 2 de março o “Seminário Virtual O Esperançar dos Povos e Comunidades Tradicionais”, colocando em diálogo lideranças indígenas, quilombolas, das comunidades pesqueiras, dos movimentos de mulheres, das comunidades de fundo de pasto, entre outros.

Com representantes de 21 estados brasileiros, o encontro alcançou uma pluralidade de realidades brasileiras, enxergando de modo intrincado os aspectos socioambientais, políticos, de raça, gênero, da luta pela terra e geracionais.

O evento contou com apoio de MISEREOR e também abre as comemorações dos 50 anos da CESE, com trabalho ininterrupto no campo da defesa dos direitos humanos e da democracia. O seminário traz uma reflexão sobre a necessidade de articulação entre os movimentos sociais e comunidades tradicionais, mantendo a luta, a agenda política e o enfrentamento ao fascismo, que ainda paira na sociedade brasileira.

A diretora executiva da CESE, a pastora Sônia Mota lembrou que o nascimento da entidade se deu num contexto de recrudescimento da ditatura e perseguição política. “Este momento é de renovação da união e integração como estratégias para enfrentar os tempos difíceis. Será necessária muita escuta, muita troca e cooperação para que possamos manter viva a esperança” declarou.

Conjuntura política – A partir do entendimento que a defesa do campo democrático une os diversos movimentos e comunidades tradicionais participantes do evento, o seminário se dividiu num momento de construção de análise de conjuntura, recebendo Ceres Hadisch, da Coordenação nacional do Movimento Sem Terra (MST), Edinalda Pereira do Nascimento, da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira, de Maryellen Crisóstomo, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e Alessandra Munduruku, da Associação Indígena Pariri e FEPIPA – Federação dos Povos Indígenas do Pará.

O esperançar marca um movimento permanente das comunidades tradicionais, não é uma espera passiva, mas produzida na ação e nas lutas de resistência.  “O povo brasileiro tem enfrentado derrotas e retrocessos grandes, conjugados aos impactos da pandemia, que nos deixaram com sequelas e dores. Vivemos uma ofensiva gigantesca, no bojo da crise mundial do capitalismo que coloca em crise a democracia. A gente lutar pela democracia tem a ver com a gente poder continuar viva. A defesa da democracia, incontestável, é sobre a defesa da vida” afirmou Ceres Hadisch.

Alessandra Munduruku falou sobre como seu povo vem resistindo para preservar seus locais sagrados e companheiras/os dos projetos do capital que envolvem mineração, hidroelétricas, hidrovias, entre outras grandes obras impactantes para o Rio Tapajós. “Quem vai consultar os animais? Quem vai consultar os locais sagrados? Será que o governo considera isso? Conhecem a morada dos peixes? Consulta e ouve as crianças? Vocês que vêm de fora vão consultar e ficar com a gente na floresta para poder conhecer? Vão querer ensinar a gente como viver, mas a gente tem os nossos próprios protocolos de consulta de todo povo, toda a gente e a natureza”, declara a liderança, que reforça a autodeterminação do seu povo e sua capacidade de tomada de decisões sobre seu próprio território.

Foram convidadas para partilhar as estratégias de defesa de direitos dos seus territórios, Érica Monteiro, integrante da CONAQ e da MALUNGU – Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará, a antropóloga indígena e Cofundadora e Diretora Executiva na ANMIGA, Braulina Baniwa, pescadora quilombola da Raça de Filomena, integrante da Articulação das Mulheres Pescadoras, Elionice Conceição Sacramento, além de Mira Alves, coordenadora estadual do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB) e o antropólogo Danilo Moura, membro da RBJA – Rede Brasileira de Justiça Ambiental.    

“Mesmo com os avanços que nós tivemos, nós não estamos numa conjuntura favorável. Nós não estamos numa maré boa para a esperança e resistência. Por mais que tenhamos uma vitória nas eleições. Por exemplo, nosso presidente não sinalizou para a reforma agrária, não falou sobre os pescadores, não falou sobre questões estruturais. Nós precisamos fazer as autodemarcações para nossos territórios. Precisamos, a partir de nós, autodemarcar nossos territórios, porque há outros interesses neles”, ponderou Elionice Conceição Sacramento, quilombola e também doutoranda em Antropologia. A liderança fez uma crítica ao modelo de desenvolvimento adotado pela esquerda brasileira, cujas escolhas e tomadas de decisão ignoram as comunidades tradicionais e grupos racializados, tampouco consideram impactos socioambientais. “Para esperançar nessa conjuntura, precisamos olhar para experiência dos nossos ancestrais” acrescentou.

“Precisamos retomar o que foi perdido em participação social, mas sobretudo avançar, porque muitas das nossas demandas históricas de participação social nunca foram atendidas: a autodeterminação dos povos, o controle do povo sobre seu território, a revogação e criação de leis por plebiscito popular, revogação dos mandatos por decisão popular. Tudo isso nunca sequer foi considerado” considerou Danilo Moura, membro da RBJA – Rede Brasileira de Justiça Ambiental.    Ele acredita que é necessário exigir revisão do legado deixado pelos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, que trouxeram fragilização da democracia e dos direitos.

A riqueza da discussão e dos diferentes pontos de vista foi ressaltada pelas/os participantes, que enxergaram a profundidade do debate e multiplicidade de perspectivas. “Quero parabenizar a CESE pelo evento: quando vi a divulgação do Seminário, me identifiquei, porque a gente que é quilombola vive pensando na esperança. E nesse seminário, eu compreendi que esperançar é um movimento”, declarou Vera Quilombola, de Flores do Dionísio, no Mato Grosso do Sul.

“Minha fala é no sentido de parabenizar a CESE pelos seus 50 anos e de agradecer ao trabalho que a CESE faz, que apoia as redes e movimentos da agricultura familiar e agroecologia, possibilitado o fortalecimento de muitas ações”, acrescentou Rosália, da Rede de Agroecologia do Maranhão.  O evento tornou possível a troca de experiências entre as comunidades tradicionais, observando suas particularidades, mas também os desafios comuns e estratégias adotadas para enfrentá-los em seus territórios e na relação com os governos. “A esperança anda lado a lado com a resistência. Se a gente tem esperança é porque a gente lutou e resistiu” concluiu a jovem Beatriz Silva, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).