Ajuda humanitária chega a populações indígenas afetadas pelo fogo na Amazônia

Foto: Rodrigo Viellas

Foto: Rodrigo Viellas

Nas últimas semanas, a CESE esteve presente em comunidades indígenas da Amazônia afetadas pelos incêndios, com o objetivo de levar ajuda humanitária emergencial, através do Fórum Ecumênico ACT-Brasil.  A ação foi apoiada pela ACT – Aliança com o intuito de equipar as brigadas indígenas de combate ao fogo, possibilitar a essas brigadas os meios para fiscalizar as áreas queimadas vulneráveis a invasões, além de socorrer as famílias com alimentos e agua potável.

Os primeiros povos indígenas que receberam o apoio foram os Tenharim, da Terra Indígena Tenharim Marmelo, no sul do Amazonas; e o Centro de Cultura indígena Huwã Karu Yuxibu, dos Huni Kuin, situado na Rodovia AC 90, KM 36, no ramal da Goiabeira Via História Encantada, no Acre.

Fotos: Daniel Govino Gutierrez

A Terra Indígena Tenharim Marmelos está localizada ao sul do Amazonas, na divisa com o estado de Rondônia. O Território tem uma área de 498 mil hectares e, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), mais de 500 indígenas vivem na área. De acordo com a reportagem da Revista Piauí (https://piaui.folha.uol.com.br), divulgada em 24 de setembro, o fogo das queimadas dos meses de agosto e setembro abrangeu quilômetros de campos amazônicos e bolsões de cerrado na floresta tropical e já é considerado o maior da história. A área destruída pelo fogo faz parte das reservas de caça e coleta do povo Tenharim, que conta com uma brigada indígena composta por 29 membros, entre os quais uma mulher, formados e coordenados pelo programa PrevFogo do Ibama.

Os Tenharim receberam o apoio da Aliança ACT para a segurança alimentar das famílias, com aquisição de alimentos e água, e para reforço da brigada indígena de combate ao fogo, com equipamentos, utensílios e combustível para deslocamentos de vigilância da área e de prevenção a novos focos de incêndio. Importante ressaltar o trabalho de prevenção que a brigada indígena realiza, que inclui a manutenção de um viveiro e distribuição de mudas para reflorestamento para todas as aldeias daquele território. A brigada tem um importante papel educativo no controle das queimadas dos roçados e atuou de forma decisiva no enfrentamento ao incêndio. Os equipamentos entregues irão facilitar muito o trabalho preventivo e de combate ao fogo, conforme as palavras de Amauri Tenharim, chefe da brigada, emocionado ao afirmar que um soprador, por exemplo, faz o trabalho de quatro homens no momento do combate. O atendimento aos Tenharim foi feito em estreita colaboração com o parceiro local da CESE, o IEB.

Fotos: Rodrigo Viellas e Daniel Govino Gutierrez

A segunda ajuda humanitária foi para o Centro Huwã Karu Yuxibu, do povo indígena Huni Kuin, localizado dentro de uma Área de Proteção Ambiental – APA do Igarapé São Francisco.  O projeto do Centro existe desde agosto de 2015 e tem o objetivo de fortalecer a identidade cultural daquele povo, especialmente dos jovens indígenas que vão para a cidade e ficam distantes de suas terras originais. Em entrevista à Agência Pública (https://apublica.org/2019/08/centro-de-cultura-indigena-huni-kuin-e-destruido-pelo-fogo-no-acre/), o cacique Mapu Huni Kuin informou que as chamas destruíram mais de 50% da área que abriga o Centro Huwã Karu Yuxibu, o qual ocupa um terreno de 10 hectares onde moram sete famílias. Cinco desses dez hectares foram destruídos pelo fogo, uma área que corresponde a cinco campos de futebol. Foram queimados a maior parte do roçado, o parque de medicinas tradicionais, árvores frutíferas e madeiras de lei. Como consequência do fogo, o poço que abastecia a comunidade secou e a falta d´água foi dramática. A ajuda de ACT chegou em excelente momento, colaborando para minimizar o problema da água e da alimentação. O Centro é um espaço indígena rodeado de fazendas e chama a atenção o fato de que o fogo só aconteceu na área dos Huni Kuin. O parceiro da CESE nessa articulação local foi o COMIN.

Outro povo atendido foram os Apurinã de Valparaíso, território que está em processo de autodemarcação. Essa área fica próxima à cidade de Boca do Acre, no sul do Amazonas, e nela vivem 37 famílias indígenas, que tiveram seus roçados parcialmente queimados, perdendo também algumas casas. A situação naquela área é de grande tensão por causa do não reconhecimento, por parte dos fazendeiros, do direito dos Apurinã ao território. O apoio de ACT, através da CESE em parceria com o CIMI, destinou alimentos e ajuda para que as famílias possam reconstruir suas moradias.

Outros povos que serão atendidos por esta iniciativa são os Uru Eu Wau Wau, em Rondônia, e as seis brigadas indígenas do Maranhão, onde o fogo destruiu extensas áreas. O trabalho das brigadas indígenas de incêndio não para quando o incêndio termina, pois há uma atuação constante na prevenção, na educação ambiental, no controle das queimadas, na vigilância das áreas e no reflorestamento.

A CESE acompanhou de perto todo o processo de apoio a essas populações tradicionais. Sônia Mota, diretora executiva, e Mara Vanessa Dutra, assessora de projetos e formação, estiveram presentes nas visitas para prestar solidariedade e apoio às comunidades atingidas pelo fogo, vítimas de uma situação descontrolada de incêndio em toda a Amazônia que chamou a atenção de todo o mundo para o descaso com que as questões ambientais estão sendo tratadas no Brasil.

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Fotos: Rodrigo Viellas

O direito de dizer não

 “Atravessamos o rio Madeira e caímos na parte não pavimentada da Transamazônica. Cruzamos o território Parintintim e entramos no território Tenharim. No caminho, à beira de um rio, sob as árvores, está um pequeno grupo Pirahã. Gente que só há poucos anos se aproximou de nosso mundo brasileiro, turbulento, ocidental, capitalista. Gente que prefere o mato, a distância, os altos rios. Debaixo das árvores, na margem do rio e à beira da estrada, duas frágeis e minúsculas palhoças, improvisados telhados de folhas de palmeiras, abrigam esse grupo de humanos que não querem conversa com a loucura ao redor. Nosso motorista, um bom homem que migrou do Paraná para a Amazônia há uns vinte e cinco anos, comenta: “esses Pirahã não têm jeito de ficarem… (procura a palavra) …mansos! Eles ficam assim, não se misturam, daí a pouco desaparecem de novo no mato”. Eu vejo aquele pequeno grupo humano e me curvo ante sua dignidade, sua escolha, sua relação muito mais íntima com a floresta que com a estrada. Um pequeno povo que diz não a tudo que compõe nossa civilização – grande, absurda e devoradora – e segue entre os peixes e os bichos. Gente que escolhe o que para o motorista migrante paranaense na Amazônia é incompreensível: o que a denominação governamental chama de isolamento, mas que poderia ser compreendido como integração total à natureza. Não um caminho em direção a nós e nosso barulho, nossas conquistas, nossas maravilhas e misérias; mas em direção ao coração profundo da mata, onde humanos e não humanos, viventes visíveis e invisíveis, convivem de acordo com leis imemoriais. Gente que nos traz um vislumbre do mistério. ” 

Mara Vanessa